terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Presença na Ausência ou os cenários de afectos de Rita Barros

Há espaços que dá prazer visitar. Estou a falar da Pente 10, uma galeria vocacionada para a fotografia, situada num lindíssimo pedaço de Lisboa que parece ter sido arrancado ao passado, onde a presença do jardim e do aqueduto, quando não mesmo o nome da própria rua, marcam profundamente a ambiência do local. É surpreendente a vitalidade desta galeria e a diversidade de propostas que nos tem apresentado em matéria de fotografia. Acresce a atenção para com o visitante e o cuidado com o acervo fotográfico, factos que pudemos observar enquanto visitantes.

Presença na Ausência, de Rita Barros, apresentada na Pente 10 até meados de Janeiro, constitui uma viagem até ao mundo pessoal e íntimo da fotógrafa, um mundo que se resguarda entre as quatro paredes da sua casa em Nova Iorque. Presença na Ausência faz também parte do projecto Descubrimientos da Edição da Photo Espanha 2007. Refira-se a propósito que Rita Barros reside em Nova Iorque desde 1980, onde trabalha como freelancer, tendo já exposto e publicado um pouco por todo o mundo e estando presente em diversas colecções públicas e privadas.

As imagens, com um certo sabor pop, são marcadas pela côr vibrante, relegando para uma segunda análise as ambiências, as formas e os locais. Ainda assim, as imagens apresentadas no espaço superior não deixam de cruzar duas estéticas distintas, a da imagem forte, colorida e intímista, que como que expõe o espaço sagrado da fotógrafa, e a imagem contemplativa da cidade, observada da janela. Ambas denotam uma forte influência de correntes contemporâneas, onde o detalhe de cada enquadramento, a naturalidade do olhar e o facto de terem como elemento comum uma mesma referência psicológica constituem o elo de ligação entre todas as imagens. Este trabalho, ao entrar no campo subtil das Imagens do Quotidiano, assume todos os riscos que isso comporta em termos estéticos e de diversidade de situações, conseguindo passar incólume a eles. 

Por outro lado, Presença na Ausência, pela forma como utiliza a côr, dá alguma continuidade estética ao trabalho da fotógrafa há alguns anos apresentado em Portugal, com Chelsea Hotel, onde a côr vibrante sublinhava os cenários excêntricos dos quartos ou dos seus habitantes. Mas, ao mesmo tempo, distingue-se por um patamar novo em termos técnicos e estéticos e pela maior reflexão pessoal sobre os objectos que rodeiam a fotógrafa no seu quotidiano. E é este o grande segredo do conjunto. Com ele, como que conseguimos viver os momentos de meditação da autora e com estes compreendemos a fotógrafa. É surpreendente a forma como Rita Barros se (nos) revela com estas imagens, onde o olhar sobre os objectos nos mostra os momentos da sua intimidade, por vezes mesmo de solidão. Uma outra riqueza destas imagens reside no facto de os seus espaços constituírem igualmente um leque de sentimentos, que nos transportam até outros locais e momentos, como se de uma interactividade se tratasse.

A exposição permite no andar inferior vermos uma Rita Barros mais experimental, talvez menos conseguida, a fazer lembrar outros caminhos que a autora experimenta, numa procura de constante evolução técnica e estética sem no entanto nunca deixar a sua filosofia de imagem (Bienal de Cascais 2000). Ainda assim, destaque para aquele maravilhoso recanto com uma solitária cadeira, onde o abandono e a tristeza do cenário condizem, em pleno, com um imaginário que transportamos para o exterior pelo pouco que se pode ver através das janelas.

As imagens aqui apresentadas mostram-nos também algo de perturbador para os fotógrafos, que é o facto de muitas vezes procurarmos insistentemente um tema ou assunto, com o argumento da inovação, do interesse fotográfico ou de qualquer outra razão, quando o assunto pode estar tão próximo de nós quanto os objectos do nosso quotidiano. Com estes cenários de afectos que constituem Presença na Ausência, Rita Barros demonstra-nos que tudo pode e merece ser fotografado, fazendo-nos reflectir nos nossos próprios caminhos.

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