sexta-feira, 24 de abril de 2009

Arquivo Universal


Ir Ir ver a exposição Arquivo Universal, presente no Museu Berardo, em Lisboa, é fazer uma visita à História da Fotografia nos seus 170 anos de existência. Ali se pode encontrar uma multiplicidade de discursos artísticos reflexo de movimentos estéticos, de atitudes culturais ou de estádios sócio-políticos. É, na realidade, uma  extraordinária exposição, complexa na apresentação e simultaneamente uma excelente lição de fotografia.

A exposição analisa a noção de documento fotográfico ao longo da História, dando-nos múltiplas visões não apenas da ideia de documento, mas também da utilização da fotografia enquanto tal. Se é verdade que a exposição abre com um momento histórico preciso:- o “tratamento criativo da actualidade”, definido por John Grierson no final dos anos de 1920, que funda o género documental tão presente na fotografia e no cinema do século XX, também é verdade que logo somos levados a conhecer a génese desse movimento com as imagens paternalistas de Lewis Hine, ou nos deparamos com respostas estéticas como o foram a representação dos trabalhadores como forma de expressão política próxima da Internacional Comunista, bem presentes quando olharmos para a pose imponente dos retratados de Alexander Rodchenko ou para os planos de Boris Ignatovich. Realce para o facto de a exposição não estar concebida para apenas visualizarmos as imagens nas paredes, como quem olha para o passado. Na realidade temos de as viver. Passamos entre as imagens projectadas, desviamo-nos das mesas, debruçamo-nos sobre elas, olhamos, lemos as legendas, deparamo-nos com uma variedade de revistas e livros expostos. No caso das imagens de Roger Fenton temos até de levantar a protecção das imagens para as visualizar, num gesto que se torna um misto de temor e respeito pelo passado, pelo documento. Destaque também para a presença da Life, um marco incontornável na História do fotojornalismo. O seu primeiro número foi publicado a 23 de Novembro de 1936, sendo influenciado pelo jornalismo alemão do início dos anos 30, tendo inclusive contratado alguns fotógrafos alemães que haviam fugido para os EUA. A Life, fundada por Henry Luce, com reportagens inteiramente compostas por imagens veio, por sua vez, a influenciar muitas outras publicações posteriores, como a Time, saída dela em 1939 ou, mais tarde a francesa Vu . A qualidade do fotojornalismo norte-americano tem as suas raízes em revistas como a Life, sendo inteiramente justa a sua presença nesta exposição.

A propósito do uso da imagem, dizia Elisabeth McCausland, em 1939, que “queremos a verdade”. É isso também que nos leva a inquirir e a ser cúmplices com as imagens de August Sander, de sentir a tristeza nos rostos de Eugen Heilig ou cruzarmo-nos com a crueza da vida nas imagens de Dorothea Lange. A verdade dos espaços e pessoas registados por Eugène Atget, onde o património urbano e a sua memória se assume na sua plenitude, ou les petits frères au lait,  de Robert Doisneau, em 1932, como que antecipando a fotografia humanista do pós-guerra. Muito interessante também a questão das exposições em espaços públicos entre 1926, com El Lissitzky, e 1955, com a exposição The Family of Man, apresentada no MoMA de Nova Yorque. Isto fez-me pensar na pobreza cénica das exposições realizadas em Portugal durante este período mas fez-me pensar também que ali cabiam as imagens de Mário Novais, referentes à exposição do Mundo Português, em 1940. Esta viagem a outras épocas é marcada na sala seguinte pelas imagens de Juan Rulfo, de Vítor Palla e Costa Martins com a sua Lisboa, Cidade Triste e Alegre ou com a magnífica Praça do Comércio de Sena da Silva.

A introdução da fotografia na imprensa mudou a visão do mundo pelas massas e alterou o discurso dos protagonistas. E se esta exposição é uma viagem à História dos acontecimentos, também não deixamos de salientar as magníficas paisagens de Timothy O’Sullivan que, ainda que em pequena escala, nos fazem sentir diminutos naqueles espaços, tendo ainda hoje seguidores estéticos na interpretação da relação do espaço com o observador. Destaque ainda para a modernidade do olhar de George Barnard (1866) presente na secção de Missões Fotográficas e invocando a noção de inventário patrimonial, ou ainda as magníficas fotografias de Charles Marville, com imagens do século XIX que nos fazem pensar nos dias de hoje. E por falar nos dias de hoje lá está o olhar cinematográfico de Robert Frank ou a contemporaneidade de Stephen Shore com a fotografia a deixar de ser algo inquestionável.

Pela extensão da exposição, esta é uma exposição para desfrutar as imagens, sem tempo pré-determinado. A riqueza e variedade das propostas fotográficas apresentadas lembra-nos que a imagem fotográfica é uma emanação cultural da sociedade, reflectindo-a ou contestando-a, espelho de momentos históricos específicos. Por isso esta é uma exposição para ver, sentir e viver. Até 9 de Março.

3 comentários:

  1. Foi breve a minha (primeira?) visita à exposição Arquivo Universal. Breve, porque uma tarde não chega de modo nenhum para interiorizar esta magnífica exposição. No entanto, não sendo eu historiador, arriscaria a dizer que, mais do que simplesmente a uma lição de fotografia é a uma verdadeira lição de história do século XX, (e parte do XIX) a que podemos assistir... Embora, enquanto lição de História, se possa (por exemplo) argumentar que faltaram lá documentos essenciais sobre as duas grandes Guerras, assim como da Guerra do Vietnam. Mas isso serão os "clichés"... E uma coisa que pude notar nas escolhas apresentadas, foi que, mesmo entre alguns dos autores mais conhecidos, não se procuraram as imagens mais vistas...

    Pelo que vi, gostei muito do destaque dado à fotografia soviética, sendo a que, esta não é a mais conhecida entre nós. Outras surpresas, foram a fotografia Espanhola, e o não esquecimento de autores Portugueses enquadrados numa exposição daquela dimensão universal.

    Hei-de la voltar, então.

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  2. Boas,é só para perguntar se é por considerar
    "paternalistas" e "próximas da internacional co
    munista",que não coloca entre os ""autores",um fotógrafo com o nome de LEWIS HINE???

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  3. Lewis Hine é um grande fotógrafo, a referência ou não ao seu nome nada tem a ver com questões de ordem política.

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