terça-feira, 26 de julho de 2011

A fotografia no i

opinião

Quem está há muitos anos na fotografia já viu muito. Já viu, por exemplo, na década de oitenta criar-se um novo élain no fotojornalismo com os fotógrafos de O Independente. Eram jovens fotógrafos, saídos de escolas de fotografia que romperam com os cânones clássicos e que trouxeram uma lufada de ar fresco à cinzenta fotografia portuguesa. Com o tempo e com as modificações editoriais, o projeto acabou. As imagens de O Independente tornaram-se tão conservadoras como quaisquer outras. Alguns fotógrafos foram para o Público, outros deixaram o fotojornalismo e enveredaram por outras áreas, outros ainda perderam-se.

E o nosso fotojornalismo tem vegetado ao longo dos anos, suportado por alguns bons valores que naufragam nas ondas da mediania, limitado pelos custos de produção que criam entraves ao risco e à iniciativa, andando à custa da cenoura dos estágios baratos e descartáveis, ou pela falta de formação de muitos fotógrafos, pela ideia romântica da profissão ou ainda pela ideia de sucesso fácil em que basta ter uma digital nas mãos para se ser “fotógrafo”.

Confesso que não fui dos entusiastas do projeto i, mas fui dos que fui sendo conquistado com o tempo, à medida que via originalidade nas imagens publicadas nas suas páginas e, especialmente, pela presença de imagens que aliavam a informação á qualidade e à modernidade estética. Por acaso ou não, reuniram-se no jornal i um conjunto de fotógrafos com um olhar moderno e hoje quando olhamos para algumas dessas imagens facilmente vemos que se conservam vivas para além da vida efémera da notícia diária. São imagens, maioritáriamente do coletivo kameraphoto, que vão para além do simples registo e nas quais detetamos sensibilidade, harmonia, naturalidade, bom gosto e um olhar atual, que além de poderem estar nas páginas de um jornal podem estar nas paredes de uma galeria. Por sorte, este grupo de fotógrafos tinha como editora de fotografia uma excelente fotógrafa – Céu Guarda, que sabia escolher imagens, que respeitava os fotógrafos, ou não fosse ela própria também fotógrafa, que sabia que reenquadrar uma imagem não era só encaixá-la num buraco de texto. Foi esta fotografia que ajudou a vender este jornal e que o conotou com um público jovem e culto. Foi esta imagem que levou a que o i tivesse já recebido diversos prémios na área da imagem, incluindo na fotografia ou no melhor design, num prémio atribuído em Fevereiro pela Society for Newspapers Design. A fotografia era, no i, uma componente editorial importante, sempre apresentada com uma dignidade nem sempre culturalmente compreendida. Por azar, nosso, esse projeto acabou.

O i mudou de proprietários recentemente e os novos donos inicialmente nada garantiram quanto a despedimentos. Na passada semana os jornalistas foram confrontados com as hipóteses de rescisão e de redução de salários. É verdade que o i nunca foi um jornal de grandes tiragens, talvez por culpa de nunca ter sido devidamente promovido. Talvez porque o seu público é uma elite e não a massa que gosta de sangue. Nunca pela falta de qualidade das fotografias e da ilustração. Ao despedir a editora de fotografia e ao dispensar os fotógrafos freelance que ali prestavam serviço, o fotojornalismo português ficou mais pobre.

A solução de cortar custos onde é mais fácil, de considerar que apresentar uma imagem é apenas pôr uma fotografia no buraco de um texto, sem dignidade, como se de um apêndice se tratasse, um acessório que ali só está por tradição, é um erro ou é um caminho para a linha dos tabloídes agora tão badalados.O i foi um pouco como o retomar do espírito de O Independente, mais de vinte anos depois e tal como então voltámos à estaca 0. Voltaremos a recomeçar de novo, uma vez mais, não sei quando. Enquanto isto, aqui ao lado a PHotoEspaña promove o fotojornalismo, em Paris prepara-se já uma feira de fotografia em Outubro próximo, onde o fotojornalismo é referência. Nós aqui, não. Aqui, temos um gozo especial não em construir e dar continuídade, como criar uma referência no fotojornalismo, mas em começar de novo.

10 comentários:

  1. nem quero imaginar no que se vai transformar a fotografia do i.. :/

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  2. Infelizmente a fotografia do I não se vai transformar em nada, porque o Jornal tem os dias contados.

    Conheço vários fotógrafos que publicavam regularmente neste jornal e posso afirmar que não foi pela falta de qualidade que foram "corridos" de lá.

    A dita crise está a ser aproveitada por muita gente para ganharem dinheiro à custa do trabalho dos outros, disso não tenho qualquer dúvida.

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  3. Fotojornalismo e os Jornais.....deixe-me acrescentar, quando um Jornal como o SOL se dá ao luxo de navegar pela web e "desviar" imagens de sites de pessoas que dedicam a sua vida à Fotografia, que realmente fazem dessa arte uma profissão, ao contrário dos para-quedistas que, como aqui refere, compram uma câmara digital e um bom par de lentes e toca a andar que se é Fotojornalista ou Fotografo, dizia eu, quando um Jornal tem essa atitude e é suportada por um editor fotográfico que nem se importa, que mais se pode dizer da fotografia em Portugal.
    Eu coloquei as maquinas de lado, não consigo competir com preços da uva mijona, não faço trabalhos por 20 euros,e desde à 8 anos que me dediquei á formação. Sou formador certificado pelo IEFP e pela ADOBE. E mesmo nesta área já existem para-quedistas a ensinar aquilo que mal sabem usar.

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  4. Era o meu jornal favorito no que à fotografia diz respeito. Tinham o cuidado de usar fotografias não só das pessoas em causa, mas enquadradas no conteúdo. A ideia que tenho é de que na maior parte dos jornais apenas se coloca uma fotografia do sujeito em causa, muitas vezes do arquivo, muita vezes a mesma repetidamente, sem ter o cuidado de a enquadrar na notícia. Lembro-me perfeitamente quando Sócrates anunciou que iria chamar o FMI, a maior parte dos jornais usou apenas uma foto banal de Sócrates, que podia estar tanto nessa notícia como noutra qualquer e que nada transmitia. O i teve o cuidado de usar uma foto em que ele se encontrava com os cotovelos apoiados na mesa e a cara escondida nas mãos. Bastava apresentar essa foto que mesmo não não sabendo o que se tinha passado estava na cara um "já foste".

    Espero que o fotojornalismo português não vire um banco de imagens banais.

    MVR in www.forumfotografia.net

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  5. Mesmo à uns dias atrás comentei este tema com uns colegas de trabalho.
    Continua a ser o meu jornal de "eleição", mas não é o mesmo.

    RuiSanches in www.forumfotografia.net

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  6. Porque será que neste país o que é bom acaba cedo.
    Jedias.

    jedias in www.forumfotografia.net

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  7. Em termos de design, continuo a gostar.

    RuiSanches in www.forumfotografia.net

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  8. O melhor jornal em Portugal em termos de forma.
    Tem o tamanho certo, é agrafado o que para mim conta muito, tem um excelente grafismo, muito boas fotos, e é de muito boa leitura.

    penso que alguns fotógrafos foram dispensados na ultima semana mas não tenho a certeza e ainda não notei essa falta no papel)

    Felizmente isso não chega para fazer um bom jornal. Falta-lhe alma e conteúdo.
    Para mim o I é o Alfa Romeu dos jornais em Portugal. Muito bonito mas muito fraco de mecânica.

    Apesar disso admito que o leio quase diariamente... e às vezes, até o compro!

    As de Copas in www.forumfotografia.net

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  9. medalhas só mesmo a do design.. em fotografia não acho que fique à frente do Público (e se formos a comparar conteúdos, então não fica mesmo)..

    paradoxalmente, o jornal com o pior design é o que ainda assim apresenta melhor conteúdo.. o Expresso..

    seja como for, espero que o i possa continuar a ser relevante.. e não apenas a ter capas bonitas...

    lowfi in www.forumfotografia.net

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  10. Uma correcção:
    A equipa fundadora de fotojornalismo do Público não tinha fotojornalistas do Independente....nem nunca veio a ter.
    E é um erro considerar que antes disso fosse o deserto....
    Sem tirar valor a ninguém, para dizer bem de um projecto, não é necessário tirar valor a pessoas que faziam parte de outros que não davam tanta atenção à imagem como o Independente, o Público e o Expresso vieram dar.
    É erro também considerar os fotojornalistas de um órgão A B ou C melhores que outros. Tudo tem a ver com as equipas que se formam e sobretudo com o que se lhes dá, ou eles conquistam, e tb se lhes exige.

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