quarta-feira, 17 de novembro de 2010

In Between

Foram apresentados os vencedores da 8ª edição do Novo Talento FNAC em fotografia. A iniciativa, visa premiar os artistas mais promissores e ainda desconhecidos que se distinguem pela qualidade e inovação do seu trabalho, à margem das correntes, desprendido de estilos e de modas. O prémio tem ainda como premissas a liberdade artística e a promoção da diversidade cultural, sendo atribuído a um portfólio de imagens onde esteja presente, além da solidez técnica, a originalidade e coerência estética. Este ano, o júri constituído por António Júlio Duarte (fotógrafo); António Pedro Ferreira (fotógrafo do jornal Expresso); Mário Teixeira da Silva (Director do Módulo – Centro Difusor de Arte) e Sérgio Gomes (jornalista do Público e autor do blogue Arte Photographica), decidiu premiar o portfólio In Between, de Frederico Azevedo, fotógrafo nascido em Lisboa, com formação no AR.CO e que actualmente reside em Berlim. Com exposições em Berlim, Arles, Bruxelas e Lisboa, Frederico Azevedo desenvolveu este trabalho desde 2005 entre Portugal, a Alemanha e a Ucrânia, numa linha documental pessoal, próximo de um diário de viagem.

Frederico Azevedo começou a fotografar em 1998 e, nos seus primeiros anos de fotógrafo, dedicou-se ao auto-retrato e à encenação, a cores e a preto e branco, procurando sítios desabitados aos quais a luz dava uma nova vida. Com a sua mudança para Berlim descobriu na vida nocturna da cidade uma nova fonte de inspiração, onde nos ambientes e nos retratos das pessoas vê um espelho de si, neles encontrando a libertação e a expressão emotiva que os auto-retratos inicialmente lhe proporcionavam. Posteriormente, tendo viajado pela Europa do Leste expandiu o seu trabalho, nunca sendo seu intento ser “voyeur” da vida dos outros nem mostrar as suas fraquezas, mas antes conhecê-los como se fosse a si próprio. O texto do júri, que transcrevemos, ajuda-nos a compreendermos este projecto e pode mesmo ser inspirador para outros trabalhos.

A fotografia de Frederico Azevedo ilustra a forma como muita da fotografia contemporânea, designada habitualmente por plástica, se tem afastado da função de testemunho para se converter inteiramente em obra de arte e assim criar a sua própria história, como diário pessoal, reportagem social ou registo de estados alucinatórios.

Tudo começou no final da década de 60 com a utilização da fotografia pelos artistas conceptuais, onde esta é um simples instrumento para documentar as intervenções em locais afastados do circuito habitual para a arte, galerias ou museus, ou ainda uma viapara fixar certo tipo de actividades performativas. A partir daqui, a fotografia ingressou nas escolas de arte e a linguagem fotográfica adquiriu um estatuto de maioridade, passando a ser objecto de investigação, convertendo-se em obra de arte. A fotografia plástica surge assim como alternativa à fotografia documental e à fotografia criativa, não esquecendo que, apesar de estas últimas continuarem hoje presentes, a primeira tem vindo a conquistar um lugar proeminente, tanto no espaço institucional como no do mercado.

Perante as imagens de Frederico Azevedo somos atraídos primeiramente pelos fortes contrastes lumínicos, pela plasticidade expressiva dos negros, pela forma como os vários personagens são fotografados de um modo que não nos ocorre querer saber quem são, ou onde o fotógrafo se cruzou com eles, e ainda a que mundos marginais pertencem. Estes são antes vultos, habitantes sombra de um mundo degradado, claustrofóbico e paralelo ao mundo que nos rodeia a que chamamos normal. Estas fotografias são sobretudo visões de um devir existencial, com os seus medos e as suas angústias. O fotógrafo construiu um corpo fotográfico onde a fotografia documental aparece travestida de intimidade. Dos mais de duas centenas de portefólios avaliados, In Between de Frederico Azevedo destacou-se claramente pela forte intensidade expressiva e pela perfeita articulação formato – conteúdo. In Between transporta-nos para uma fotografia subjectiva, confessional. Conforme o título deste portefólio, Frederico Azevedo trabalha no limiar de dois mundos, um real, objectivo, que aqui vemos nestas fotografias de um negro exacerbado habitadas por personagens em ambientes de um mundo nocturno e algo fantasmático, o outro, o seu duplo, como querendo fazer entrar o dia na noite. Estas imagens não revelam um outro mundo, mas antes o nosso, por meio do qual o fotógrafo, com uma clara sinceridade, procura libertar-se das suas próprias feridas e fantasmas. Diante deste corpus de trabalho apercebemos quanto de invisibilidade emerge da realidade concreta de uma imagem fotográfica.

Frederico Azevedo, nesta panóplia fotográfica, não procura construir uma tipologia dos muitos e variados exemplares de um mundo suburbano, pelo contrário, In Between funciona como espelho de auto - representação. Casos há na História da fotografia, mais ou menos recente, onde o fotógrafo é o seu próprio modelo, metamorfoseando-se numa série caleidoscópica de personagens, com Frederico Azevedo é o outro a sua imagem ao espelho.

Mário Teixeira da Silva, membro do júri do Novo Talento FNAC Fotografia 2010.”

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