quinta-feira, 24 de junho de 2010

Periferias

Nem dentro nem fora: na periferia. À margem. Quase isso, mas nem tanto. Na fronteira. Na berma. Definindo-se não por si mesmo mas pela proximidade ao outro. Próximo por oposição ao distante, mas distante, diferente, na relação com o próximo. Ambíguo. Marginal.”

É assim que começa a apresentação do último projecto desenvolvido pelo MEF – Movimento de Expressão Fotográfica. Este foi o tema de trabalho de um grupo de fotógrafos, tendo por base a questão de poder ou não a imagem fotográfica, com o seu imenso potencial enquanto representação material de ideias, levar-nos a um distanciamento do tema e ajudar-nos a olhar para ele de outra forma, descobrindo novas dimensões e novas posturas. O resultado traduz essa reflexão materializa-se numa exposição apresentada até 4 de Julho, numa velha mas sedutora vivenda no Campo Grande 187, em Lisboa.

Toda a ambiência do local nos transporta para outros tempos, onde uma realidade espacial fora do tempo se mistura com imagens de outros locais e de outros momentos, deixando-nos perturbados pelo toque surreal das contradições. A exposição em si é desigual nas linguagens e nos estádios estéticos e técnicos de cada fotógrafo ali presente. José Barata mantém um formalismo que caracteriza os seus trabalhos, no entanto, nos espaços e objectos agora abordados seria interessante a opção côr, precisamente porque o formalismo seguido tem um olhar muito mais próximo da fotografia a côr contemporânea do que do preto e branco que já lhe vimos noutros trabalhos. O trabalho de Francisco Borba continua a sofrer uma evolução muito interessante, fruto da reflexão pessoal do autor, onde até o despojamento e minimalismo da apresentação e do título – A Fechadura é prova disso, e ainda do seu contacto com outros olhares. O trabalho de Tânia Araújo, Cidades Anónimas, afirma-se como um dos melhores trabalhos presentes nesta exposição. Demonstra domínio técnico a par com um olhar esteticamente cuidado. É um trabalho onde a mancha visual do texto se adequa à imagem no seu todo, onde o formato constitui uma excelente opção e onde o todo demonstra sensibilidade fotográfica e atenção ao papel social da fotografia. É um trabalho centrado na questão da vida e da construção urbana, sinónimos de anonimato em espaços amontoados, repetidamente iguais, cheios de gente que se cruza, onde todos vivem juntos, mas onde ninguém se conhece. Também de referir Vidas Comuns, trabalho de Bruno Mendes, um trabalho onde a escala é a adequada, onde a apresentação está de acordo com a estética das imagens, onde se vislumbra sensibilidade, ambiente e um sentido moderno de composição, tudo feito a partir de uma ideia simples. O autor fotografa espaços pessoais, comuns, banais, como escreve no catálogo, mas onde está presente um sentido contemplativo por parte de quem vê a imagem e de quem está na imagem, algo que nos questiona em relação à realidade e ao momento registado, por um lado, e à nossa intervenção na cena, por outro.

Luis Conde apresenta-nos Exponencial Periferia, onde é evidente o erro de escala. Aqueles objectos arquitectónicos, fotografados como estão com a volumetria acentuada pelo uso da grande angular, merecia outra dimensão das imagens, mesmo que naquele espaço fosse necessário reduzir o número de imagens apresentadas. Quem também não compreendeu o espaço, neste caso de exposição, foram João Cláudio e João Vasco, com os trabalhos “perdidos” na sala, sem razão aparente para as opções expositivas apresentadas. Por último, referência para o trabalho de Carlos Moreira, O meu Tejo. É um bom trabalho, ainda que não inovador na abordagem do tema. Pena é que a escolha da dimensão das molduras prejudique as imagens. Eram necessárias molduras de maior dimensão que possibilitassem que as imagens respirassem.

4 comentários:

  1. O tema por si só, já era um bom desafio.

    A organização teve o cuidado de fazer uma selecção dos melhores trabalhos apresentados, para garantir a coerência da exposição. Sendo uma exposição colectiva, com cerca de 20 fotógrafos é natural que existam diferenças nos estágios de desenvolvimento estético entre autores.

    Os espaços da vivenda facilitaram a arrumação dos autores evitando a proximidade de estilos que são por vezes bastante dispares entre si, como é natural em exposições colectivas. Em relação às opções dos fotógrafos (porque a escolha foi de cada um), relativamente ao espaço onde expuseram, e à forma que encontraram para expressar as suas ideias, se nalguns casos considero a escolha bem conseguida, noutros nem por isso, em função da subjectividade da minha opinião.

    Transportar esta exposição para outros locais, pode e deve ser equacionada para dar mais visibilidade a este bom projecto que não vive apenas da componente visual, mas que nos alerta para uma realidade cada vez mais presente na nossa sociedade, as “Periferias” físicas e da mente Humana.

    ResponderEliminar
  2. Na parte que me toca reconheço que a dimensão do trabalho deveria ser pelo menos o dobro, quanto ao tema trabalhado (o não lugar) parece-me claramente enquadrado e razoavelmente trabalhado.
    JV

    ResponderEliminar
  3. ...mas obrigado pela apreciação, é assim que todos crescemos. Um abraço.
    JV

    ResponderEliminar
  4. Este desafio lançado pelo MEF foi, para mim, bastante exigente, mais pelo que o tema proposto pretendia representar ao nível de alguma exigência estética (que sempre procuro nos meus projectos) paralelamente a uma tentativa de não banalização que julgo susceptível a um tema tão contemporâneo como este.

    Retiro, pessoalmente, uma análise bastante construtiva, pelo modo como desenvolvi pela primeira vez um projecto a partir do pressuposto da exposição física das imagens capturadas. Dessa análise senti, por exemplo, a conhecida necessidade de alguma distância temporal desde as tomadas de vista até à selecção final das imagens. Servirá também a crítica aqui feita, a qual agradeço sinceramente ao autor do blogue.

    Da exposição, diria que senti em alguns trabalhos alguma falta de exploração do tema proposto. Na maioria porém, acho que isso foi conseguido, apesar dos diferentes modos estéticos utilizados, que enriqueceram um dos objectivos pedidos, reflexões e posturas pessoais perante o tema, naturalmente mais ou menos diferentes em cada autor presente.

    Aproveito para agradecer ao MEF pelo convite e selecção que muito me honraram.

    ResponderEliminar

Todos os comentários serão previamente aprovados pelo autor do blog.