domingo, 13 de fevereiro de 2011

Gérard Castello-Lopes

noticiário

Desapareceu uma figura incontornável da fotografia portuguesa”, assim expressou Teresa Siza a morte de um dos mais significativos fotógrafos nacionais. Nascido em 1925, Gérard Castello-Lopes dividia a sua vida entre Lisboa e Paris, estando retirado da vida activa já há algum tempo, devido à doença prolongada que o afectava.

Autodidata, chegou à fotografia em 1956, tornando-se um dos nomes incontornáveis da moderna fotografia portuguesa, alternativa ao salonismo das décadas de quarenta e cinquenta. A sua participação em inúmeras exposições permitiu divulgar uma faceta da fotografia portuguesa durante muitos anos desconhecida do público em geral, exposições onde se inserem as iniciativas da Galeria Ether, em Lisboa, e dos Encontros de Fotografia, em Coimbra. Recorde-se que em 2000 a APAF promoveu a I Bienal de Fotografia de Cascais, contando a participação de Gérard Castello-Lopes. Ligado ao cinema, foi fundador do Centro Português de Cinema e membro do Conselho Consultivo da Culturgest, estando o seu nome associado à distribuidora Filmes Castello-Lopes.

O blog Arte Photographica, pela mão de Sérgio C. Andrade e Sérgio B. Gomes, publica um conjunto de depoimentos importantes para compreender o papel de Gérard Castello-Lopes no seio da fotografia e da cultura portuguesa e que transcrevemos:

É seguramente o mais interessante fotógrafo português do século XX. Um dos mais, pelo menos. Pela linguagem e pelo estilo próprios. Pela doçura do olhar. Pela ironia da expressão. Pela qualidade estética. Pela beleza das imagens. Pelo rigor formal. Pela humanidade dos seus temas. Pela independência de espírito. Pela cultura sólida. Deixa-nos uma obra de reduzidas dimensões, várias vezes interrompida no tempo, mas de excepcional valor de testemunho de uma sociedade. A sua Lisboa dos anos cinquenta, retratada com sentido ao mesmo tempo poético e realista, adquiriu valor patrimonial. As pessoas que então fotografou figuram para sempre numa galeria histórica de personagens. Mais tarde, já nos anos oitenta e noventa, teve nova vida, sentiu-se atraído por novos temas e foi capaz de adaptar a sua linguagem, sem nunca perder o seu traço. Com vagar, sem voracidade, Gérard não metralhava, compunha. Assim tratou a fotografia como uma grande arte.

António Barreto, sociólogo

Desaparece uma figura muito importante da cultura portuguesa e da história da fotografia portuguesa. Marcou com a sua sensibilidade a fotografia dos anos 1950 e a fotografia documental da segunda metade do século XX, apesar da produção irregular. Lembro-o como um homem alto, muito enérgico, muito educado, uma figura muito simpática. Percebeu e incorporou as tendências da fotografia que se iam fazendo lá fora, nomeadamente em Paris e por influência do trabalho de Cartier-Bresson.

Sérgio Mah, professor universitário e comissário da participação portuguesa na Bienal de Veneza

Perde-se uma figura marcante da cultura e da fotografia portuguesa. Teve um papel relevante na nossa fotografia, nas décadas de 1950 e 1960, regressando depois em força após o 25 de Abril pela mão de António Sena e da galeria Ether. Como pessoa, lembro-o como um bom conversador.

Rui Prata, comissário dos Encontros da Imagem de Braga

É uma pena que Gérard Castello-Lopes não se tenha dedicado mais à fotografia. Tinha o talento todo para construir uma obra extraordinária. Sabia que era bom, mas não teve coragem de afrontar o que a sociedade elegia para construir uma obra mais vasta. Henri Cartier-Bresson era o seu grande inspirador. Tentou imitá-lo em tudo, até nas máquinas que usava. Mas saiu da sombra do Cartier-Bresson. Quando voltou a fotografar nos anos 80 renasceu. A sua fotografia ganhou uma nova liberdade e experimentou linguagens novas. Mas creio que já foi demasiado tarde, apesar de ter contactado com o trabalho de outros fotógrafos e de estar atento ao que se fazia na altura. Ele tinha uma visão muito crítica em relação ao que se fazia na fotografia portuguesa. E costumava usar uma expressão para falar das imagens demasiado escuras que então se faziam: ‘A fotografia portuguesa é como fotografar um negro, no túnel do Rossio a cantar o Black is Black’. Gérard Castello-Lopes era um grande fotógrafo. Descobria a beleza na espuma de um cacilheiro. E mais do que isso, conseguia transmitir pela fotografia essa beleza. Considerou-se sempre um amador de fotografia, no sentido francês do termo. Ou seja, tinha uma relação despreocupada com a fotografia. Nunca quis, nem nunca precisou de viver dela. Há fotografias de Gérard que ficarão na história do olhar português. São grandes obras.

António Pedro Ferreira, fotojornalista

Teve uma grande importância para mim como fotógrafo, mas sobretudo era um grande amigo. Eu tinha-o visto há um ano e meio, mas ele já não reconhecia ninguém. É um dos maiores fotógrafos portugueses do século XX, sem dúvida. E mesmo internacionalmente. A obra dele, felizmente, está nos museus de fotografia.

Fernando Lopes, cineasta

É evidentemente uma figura incontornável da história da fotografia em Portugal. É um expoente da geração – com Carlos Afonso Dias, Carlos Calvet e Sena da Silva, por exemplo – que trabalhou sem nenhuma visibilidade nos anos 50 e 60, por causa do regime de Salazar. E só viria a ser revelado na década de 80, a partir da exposição promovida pela Galeria Ether. Tinha uma grande paixão por Cartier-Bresson, mas a sua obra tem também algo mais, tem uma pureza de linhas e um sentido gráfico muito pessoais. Como pessoa, era uma figura exuberante, elegante, sedutora, que falava da sua arte com graça e grande clareza.

Tereza Siza, historiadora e crítica de fotografia

Desaparece um meu amigo íntimo, um colega com quem eu falava verdadeiramente de fotografia. Conheci-o numa exposição no Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em 1995. Ele exagerava sempre essa dívida relativamente a Bresson. A sua fotografia tem um carácter bem original, mesmo do ponto de vista conceptual. Ele teve várias vidas e várias actividades, mas a mais importante é como fotógrafo. Era uma pessoa com uma grande curiosidade e uma grande vontade de aprender. Passávamos horas e horas a discutir fotografia.

José Manuel Rodrigues, fotógrafo

Sem comentários:

Enviar um comentário

Todos os comentários serão previamente aprovados pelo autor do blog.