sábado, 19 de fevereiro de 2011

Afinal... parece que...

opinião

Afinal, parece que a Cultura sempre vai ter dinheiro para viver.  Foi esta semana confirmada a alteração das percentagens sobre os jogos da Santa Casa da Misericórdia, o que permite ao Ministério da Cultura dispor de mais cerca de cinco milhões de euros por ano. É uma boa notícia a que se soma outra, a de que essa verba será destinada à internacionalização da arte e dos artistas portugueses, assim como ao apoio à actual rede de cine-teatros. Aliás, assim que se soube a notícia, houve alguma animação entre os galeristas portugueses presentes na ARCO, em Madrid, ainda que as verbas ainda venham longe. Mas é boa a intenção, refira-se. É pela internacionalização que os artistas portugueses ganham visibilidade. Não basta, no entanto.

Há quase um anos escrevemos aqui que no campo específico da fotografia, o aumento do número de galerias de arte e de coleccionadores, privados ou institucionais, a par com os novos criadores que surgem ou com outros que se afirmam, gera uma rede económica que deveria merecer uma maior atenção por parte de uma entidade chamada Centro Português de Fotografia, que existe e que não deve ser remetida à singela tarefa de arquivo ou de espaço de apresentação de exposições, por muito que tal tarefa seja importante. Há que fazer um levantamento da criação da actual fotografia portuguesa, apoiar e fazer circular produções, articulando fotógrafos e instituições, sejam elas galerias, museus ou outros espaços expositivos, ao mesmo tempo que se desperta a atenção de coleccionadores nacionais e estrangeiros. Toco aqui num ponto importante, os coleccionadores estrangeiros, primeiro passo para dar cotação comercial à fotografia e aos fotógrafos portugueses no estrangeiro, que é practicamente nula. Note-se, que os artistas são escolhidos por comissários e que estes não são imunes aos valores que a obra de um dado fotógrafo atinge no mercado, nem são insensíveis ao panorama e à promoção da cultura de um país. Sem divulgação permanente, os coleccionadores não conhecem, logo não arriscam a comprar. O Estado tem aqui um papel importante ao apoiar estruturas que apostem na difusão das produções culturais, nomeadamente o apoio à circulação de exposições, assim como de comissários portugueses no estrangeiro, sem os quais dificilmente se escolhem e divulgam artistas nacionais, ou apoiar estes quando pretendem integrar o portfólio de galerias estrangeiras, ou ainda apoiar galerias nacionais que promovam lá fora os criadores nacionais.“ A internacionalização implica perceber de que forma esses apoios serão aplicados, ou seja pensar e planificar primeiro e não distribuir dinheiro aleatóriamente ou, pior ainda, prometê-lo e não se concretizarem os almejados apoios.

Vem isto a propósito ainda, apesar de se prometer uma visão estratégica e coordenada, da aposta na rede de cine-teatros, também ela referida. Louvável há alguns anos atrás, de duvidosa validade hoje, se pensarmos repetir as fórmulas já conhecidas. Não é que os cine-teatros não mereçam e necessitem deste apoio. A questão está no facto de há alguns anos atrás essa rede ter uma função e hoje ter outra. A Europa de hoje, além de um mosaico de culturas, de um sem número de sítios históricos, é também uma multiplicidade de centros de decisão e de produção cultural, e esta realidade é fruto não apenas de uma produção interna mas também de relações com o seu exterior. Já hoje não faz sentido, como acontecia na década de oitenta, a criação de redes de equipamentos homogéneos, de norte a sul do país, sejam  eles cine-teatros, bibliotecas ou outros. Já não faz sentido fechar essses espaços sobre si mesmos. Hoje, cada equipamento, em função das tradições locais e ancorado em eventos de significativa dimensão, deve proporcionar uma programação múltipla e complementar. Tais centros devem ser dotados de uma vida dinâmica, para a qual deve concorrer a colaboração intermunicipal, a itenerância de exposições, a divulgação do património local e a divulgação da criação exterior ao espaço geográfico abrangido.

A política cultural não se expressa apenas ao nível do país, mas também e cada vez mais ao nível dos municípios, com a criação de redes de cidades seja a nível nacional ou internacional.  Ao mesmo tempo, em termos internacionais, é nesta rede que circulam exposições e co-produções, que podem incluir equipas transnacionais, sejam elas referentes a uma companhia de teatro ou a um grupo de arqueólogos. É também através destas redes que a cultura e os criadores portugueses podem saltar fronteiras e são ainda estas redes que podem combater os fenómenos de sazonalidade e de insularidade. Mais, estas redes pela utilização da internet, poderiam conter uma função dinâmica de ponto encontro de artistas e criadores com o público, função essa que comporta uma componente educativa importantíssima. Poderiam ainda possibilitar aos municípios a concretização de parcerias, rentabilizando meios ao mesmo tempo que possibilitariam uma maior e melhor oferta cultural. Daí a a responsabilidade das autarquias em criarem equipamentos de entrada adaptando-os aos eventos e a públicos específicos, quando a realidade diária é inaugurarem-se equipamentos e inventarem-se eventos para todos os públicos num mesmo espaço.  

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