terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Refletindo - 1º Encontro de Fotografia Movimento e Imagem

opinião

Decorreu no passado sábado o 1º Encontro de Fotografia Movimento e Imagem promovido pelo MEF – Movimento de Expressão Fotográfica, em Lisboa. A iniciativa reuniu algumas dezenas de participantes que ao longo de cinco horas ouviram e participaram na apresentação dos projetos fotográficos dos fotógrafos Miguel Rodrigues, José Oliveira, Alípio Padilha, Miguel Godinho, Pedro dos Reis e João Henriques.

Os debates sobre projetos fotográficos individuais não são muitos frequentes no nosso meio. Há muitos anos atrás, tantos que teremos de regressar aos anos oitenta, a Galeria Ether promoveu alguns que infelizmente não tiveram continuídade. Os Encontros de Fotografia de Coimbra fizeram o mesmo, mas morreram com os Encontros. A APAF chegou a fazer o mesmo convidando fotógrafos para falarem do seu trabalho. Braga, com os Encontros de Imagem, mantém algumas conferências que se podem aproximar desta intenção pelo debate, mas o resultado tem sido sempre falar para um núcleo mais erudito ou então a tentação de mostrar fotografias avulsas. O resultado pode ver-se hoje, quando os fotógrafos não sabem apresentar o seu trabalho, não sabem falar em público ou mostram doses de ingenuídade suficientemente grandes para se autodesvalorizarem.

Mas voltemos ao Encontro de sábado. A primeira palavra é para o MEF, que está de parabéns pela iniciativa. Louvável ao ponto de a tarde ter sido uma excelente lição de fotografia sob o ponto de vista estético. Coube a Miguel Rodrigues ser o primeiro a apresentar o seu trabalho, tarefa nada fácil pela ausência de referências em termos de apresentação. Para quem o conhece há alguns anos, o que mais impressionou foi a sua evolução estética nos últimos anos, talvez influência dos anos que passou em Paris e de uma visão mais pensada e sentida da fotografia. Ficou na memória o seu trabalho sobre as estações ferroviárias nos arredores de Lisboa, onde se destaca a modernadade da sua abordagem, Seguiu-se a apresentação de José Oliveira que enunciou as fases por que passa um projeto fotográfico, os seus elementos caracterizadores e o seu lado conceptual e cuja apresentação beneficiou muito do facto de estar habituado a falar em público. Alípio Padilha teve uma boa prestação na primeira parte da sua intervenção, com o projeto de “Aldeias do Xisto” e das praias fluviais, assumindo o experimentalismo técnico. Destaque também para Miguel Godinho que nos apresentou excelentes imagens e confrontou-nos com diferentes projetos de diferentes fases da sua carreira, mostrando-nos igualmente que o seu patamar estético já possui uma consistência considerável. Pedro dos Reis abriu-nos a portas para um olhar cuja influência norte-americana é nítida e João Henriques, que terminou as apresentações com um projeto sobre Tomar e o seu lado esotérico, que merecia ser mais desenvolvido.

Mas se o MEF está de parabéns, se os fotógrafos, todos eles deram um pouco de si a todos os presentes, há que melhorar muito esta segunda equação. Hoje quem sai de uma Universidade, seja em que área for, frequentemente tem de apresentar o seu trabalho em público. Um fotógrafo também. Hoje ninguém se apresenta a ninguém sem fazer uma conferência, um workshop, um debate. Primeira regra saber falar. Saber colocar a voz em público, para dez ou para cem pessoas, sem sistema de som, ou com microfone evitar cuspir-lhe em cima. Tem de falar com ritmo e dar ênfase às suas palavras e nunca demorar quarenta e cinco minutos numa intervenção prevista para vinte. Melhorar a dicção e devem evitar também dizer àpartes ou desabafos pessoais como se fosse em off mas com o microfone ligado. Evitar dizer que não se sabe bem o que é que “aquela imagem está ali a fazer”, que “não sei porque fiz essa imagem” ou que a mesma “não vale nada”, mas afinal está lá. Não vejo que aqui seja desrespeito pelo público, sendo mais ingenuídade pela falta de prática deste tipo de iniciativas. Para além destes aspetos mais do campo generalista devem, sob o ponto de vista fotográfico, escolher (bem) as imagens e projetos a apresentar e não juntar o bom e o vulgar. Há, no entanto, que destacar um ponto que transpareceu em todas, sublinho todas, as intervenções dos fotógrafos presentes, tenham elas sido mais ou menos bem conseguidas e que foi a honestidade com que todos falaram dos seus trabalhos.

Uma palavra também de tristeza por ver entre o público poucos fotógrafos conhecidos. Ao contrário do que se passa noutros países continuamos muito fechados e com receio de refletir nas nossas dúvidas juntamente com outros fotógrafos. Também não vi muitos daqueles que na internet passam a vida a perguntar como se faz isto ou aquilo, ou aqueles que dizem querer aprender a olhar. Apenas vi gente que já sabe o que faz e porque o faz. Afinal, tal como noutros tempos.

Como salientou Pedro dos Reis a novidade e a bondade desta proposta do MEF merece continuídade, porque será essa mesma continuídade que permitirá que os fotógrafos possam saber apresentar e defender publicamente o seu trabalho. É assim que muitos o fazem quando se apresentam em galerias no estrangeiro e têm de defender os seus projetos. Porque não também por cá?

3 comentários:

  1. Li o texto com atenção e em geral penso que foi justo na sua análise.
    De facto, as várias onomatopeias, pensamentos em voz alta e outras fontes de ruído que não ajudam à apresentação eram escusadas.
    Não lhe chamaria ingenuidade, mas sim falta de experiência. É claro e sabido que temos uma sociedade em que a palavra é facilmente reprimida e nunca substituída por outras, que em feedback possam criar um pensamento constructivo e ajudem a colmatar essas falhas.
    Talvez por isso e porque na maior parte do tempo somos obrigados a ouvir e a pouco participar haja este silêncio de quem está na plateia e por vezes uma apresentação atabalhoada, da parte dos que estão em palco e sob análise.
    Obviamente esta falha no ciclo de comunicação cria algum nervosismo. Mais ainda quando não é esta a forma habitual de viver a criação de imagem.
    Aceitando uma grande parte das críticas mais negativas só posso justificar-me com o que referi. Em todo o caso entendo a crítica como os pontos a melhorar e espero que num futuro em que me seja feito outro convite possa estar mais preparado. A experiência não se aprende. Ganha-se e implica trabalho atento sobre o que se faz e aceitando as críticas dos outros.
    Como igualmente refere e subscrevo totalmente é saudável que os fotógrafos portugueses consigam encontrar espaços onde possam participar (e não somente assistir) a eventos deste cariz e com mais regularidade.
    O MEF está portanto de parabéns por ter criado um evento em que convidou pessoas com experiências diferentes, que pudessem partilhar com uma plateia de pessoas que ansiosas por saber mais, ou que pelo menos demonstrassem alguma curiosidade.
    Neste aspecto estava à espera que a plateia tivesse reagido mais aos trabalhos apresentados. Penso que isso aconteceu um par de vezes.
    Mas mais uma vez isto é apenas o reflexo de uma sociedade - estamos mais habituados a ouvir do que a falar.
    Nos outros países, como refere e muito bem a educação é diferente. As pessoas não estão a ser constantemente criticadas e desde muito cedo estão habituadas a participar, sem ser censuradas pelos demais. O nosso "medo de existir", como diz José Gil.
    Pensando que o que está para trás não pode ser resolvido, mas entendido. O que podemos ajudar a construir agora são as bases para um futuro diferente.
    A minha visão quando o convite foi realizado foi falar de alguns projectos que tenho em curso e que para ser franco não falei deles. O que me importou falar foi aquilo que penso que teria sido importante que me tivessem falado quando estava a iniciar-me na Fotografia. Quis simplesmente partilhar o meu percurso de forma honesta e dar a entender as minhas dúvidas, anseios e vontades no meu trabalho. Porque afinal de contas somos todos pessoas. Partilhar o processo é importante e em especial para aqueles, que eram a maioria da plateia e que estão agora a começar a fotografar. É normal que muitas das vezes se esteja a pensar no momento coisas que por vezes não foram pensadas. A partilha tem destes momentos em que o próprio orador tem dúvidas sobre as suas próprias escolhas.
    Também é normal que apesar de entendidos na maioria sejamos confrontados com comparações entre pessoas com um trajecto reconhecido e sublinhado num texto de opinião e outras que não sendo conhecidas sujeitam-se a um leve rótulo. Não digo com isto que seja justo, mas por outro lado cria diferenças, que o encontro procurou usar de forma mais positiva. Não era a maior ou menor experiência que uniu as pessoas naquela sala durante uma tarde inteira, mas sim a vontade em partilhar ideias e desmistificar um pouco o discurso sobre Fotografia e Criação de Imagem.
    Teria sido menos arriscado pegar nos chavões; lugares comuns; opiniões conhecidas de quem mais falou a Fotografia, como Barthés, Susan Sontag, Ranciére ou outros grandes autores do pensamento e criar um discurso totalmente virado para a teorização da criação da imagem.
    Poderá um dia haver esse momento, mas há um longo percurso a percorrer. Da minha parte espero ter ajudado a contribuir para que esse dia esteja próximo.

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  2. o preço da insularidade é também não ter podedido assistir a este encontro... os encontros de fotografia no Museu de Angra do Heroísmo padecem da mesma "sintomatologia" participativa; sim, certamente estarão ocupados na internet...

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