Retratos de mulheres

exposições crítica

Retratos de mulheres está presente na Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, em Lisboa, até 30 de Abril próximo. O longo período durante o qual está patente ao público impossibilita qualquer desculpa para não ir ver uma exposição que conjuga três olhares distintos: Man Ray, Julião Sarmento e Jorge Martins, razão principal de se tornar uma exposição bastante didática para quem gosta de fotografia.

De Man Ray, que na realidade se chamava Emmanuel Rudnitzky, é apresentada a colecção The fifty faces of Juliet, selecção de retratos efectuados entre 1941 e 1955 a Juliet Browner, mulher do fotógrafo e hoje pertencente à Colecção Marconi, de Milão. Estas imagens, das quais não existem negativos, são inovadoras na medida em que Juliet encarna diferentes personagens. São excelentes retratos onde a beleza impera, diga-se a propósito que Juliet Browner era modelo, mas onde está presente o génio criativo de Man Ray, onde sempre predominou a subversão da técnica tradicional em favor da componente estética.

Sendo um dos mais importantes fotógrafos do século XX e recorde-se que há cerca de 10 anos esteve patente em Lisboa uma exposição de cerca de quatro centenas de obras de Man Ray pertencente à colecção de Giorgio Marconi, o seu trabalho espelha uma constante procura de novas abordagens estéticas, aqui bem visível nesta exposição, nomeadamente na apresentação da mesma imagem com diferentes intervenções. Man Ray, que em 1940 fugindo às perseguições nazis, abandona Paris, a sua cidade do coração, passa por Portugal e daqui embarca em direcção aos EUA, apresenta-nos nesta série a sua vertente surrealista, por vezes desconstruindo a ideia de original, pela repetição da imagem, mas construindo-a como única pela intervenção efectuada.

No andar de cima a Fundação apresenta-nos o trabalho de Julião Sarmento e Jorge Martins. Sarmento, artista com uma vasta carreira, onde se destaca a docência no Center for Contemporany Art, em Kitakyushu, Japão (1997), na Akademie Der Biloenden Kunste Munchen, na Alemanha (1998/1999) e na Facultad de Bellas Artes, em Madrid e que representou Portugal na Bienal de Veneza (1997), apresenta-nos 62 fotografias de 31 mulheres. O artista surpreende-nos pelas diferentes abordagens estéticas presentes, umas onde é evidente um certo classissismo, como é o caso de algumas das imagens em preto e branco, outras mais contemporâneas onde se transmite ao visitante uma certa jovialidade no olhar, como é o caso de algumas das impressões em cor que estão na sala da direita. É interessante nesta exposição ver para além das imagens e reparar na separação das imagens feita entre as duas salas. Posteriormente, ao consultarmos a folha de sala, tornou-se compreensível esta diferenciação pelo facto de as imagens apresentadas terem sido realizadas ao longo de 42 anos de actividade. Refira-se que estes apontamentos espontâneos foram seleccionados por Sérgio Mah, destacando-se aqui o cuidado posto na selecção das obras que integram a colecção António Cachola.

Já de Jorge Martins se pode dizer que “brinca com o corpo”, desconstruindo-o com uma noção de beleza muito sua. É o caso das provas de cor apresentadas nesta exposição. No preto e branco é de realçar uma interpretação extraordinária da luz, parecendo por vezes que estamos perante uma iluminação e um enquadramento de cinema, sendo neste conjunto que mais transparece o lado íntimo das imagens.

Sugerimos uma visita a esta exposição onde, pelo diálogo estabelecido entre os olhares de Man Ray, Julião Sarmento e Jorge Martins, se constrói um livro aberto para olharmos o retrato de forma mais ampla, constituindo um momento de qualidade na aprendizagem artística, mesmo para quem não faça do retrato o principal corpo da sua obra fotográfica. Único contra, mas que se compreende em tempos de predomínio do “políticamente correcto”, o aviso que está à entrada que informa que “a exposição contém imagens de nú explícito”. Uma vez mais compreendo, mas onde vamos parar se começarmos a pôr avisos destes em muitos museus e exposições que contêm imagens de nú?