quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Romeiros - Pilgrims

Até dia 8 de Janeiro na Lx Factory, em Lisboa, pode ver Romeiros-Pilgrims, de Paulo Alegria, resultado de um trabalho de vários anos, percorrendo grande parte do Alto Minho, a fotografar festas e romarias locais. Diz-nos o autor que “é intenção desta obra que o leitor se torne num viajante às romarias alto-minhotas. No fundo, que se torne também, enquanto folheia e lê, num romeiro.” É um objectivo conseguido porque as imagens têm o seu lado mágico de nos prenderem a momentos vividos pelo autor, o que só por si é interessante. Mas comecemos pelo princípio desta exposição – o local.

É uma das pérolas desta Lisboa, o espaço da antiga Fábrica de Fiação Lisbonense, situada na Alcântara operária do século XIX. É hoje uma ilha de criatividade e respira um ar jovem. Também tem um ar caótico. Para encontrar a exposição é preciso ter vontade de a ver. Podia estar melhor sinalizada. Um pormenor importante, a simpatia e o profissionalismo. Quando telefonámos para lá ou quando lá estivemos houve a preocupação de procurarem e nos fornecerem todas as informações com boa vontade e simpatia, coisa que nem sempre abunda em algumas exposições quando não estão em espaços comerciais.

Romeiros – Pilgrims é uma exposição que encerra algumas contradições, eventualmente fruto da diversidade de locais e de situações, ou até de diferenças quanto ao envolvimento e quanto ao olhar do fotógrafo. Por isso a exposição pode mostrar alguma incoerência, o que é pena. Tem imagens de estraordinária qualidade, com uma modernidade de olhar que é de realçar, onde existe uma forma de fotografar solta e não formal (78 Senhora do Minho, Serra da Arga ou 93 Senhora de Guadalupe, Castelo de Neiva e especialmente 17 S. Bartolomeu do Mar e 80 Senhora do Minho, Serra de Arga) ao lado de outras mais conservadoras no olhar (65 Santissímo Sacramento, Carralcova). Aliás, o próprio livro justificaria uma escolha mais criteriosa, ainda que aqui se admita que o peso do registo supere a questão estética.

De qualquer das formas é um levantamento fotográfico de grande qualidade. Quando em termos de comparação neste tema temos sempre presente a España Oculta de Cristina Garcia Rodero, o trabalho de Paulo Alegria prima por uma outra abordagem estética, mais moderna, mas sem deixar de valorizar o documento histórico dos acontecimentos. É uma boa opção, primeiro porque foge a comparações directas com Cristina Rodero, logo pela opção da cor e depois pela abordagem estética, criando o seu próprio caminho fotográfico. Ainda assim, não deixamos de encontrar pontos comuns como seja a ironia (101 Senhora da Cabeça, Freixieiro ou 66 S. Bartolomeu do Mar) ou esta associada a um sólido olhar de quem sabe procurar o ângulo certo para fotografar (187 Senhora d’Agonia, Viana do Castelo).

Olhando para as imagens presentes quer no livro editado quer na exposição, há que destacar ainda o bom timing do fotógrafo, captando os acontecimentos no momento certo, ressaltando das imagens uma veia fotojornalística bem evidente, o uso das objectivas certas, evitando o recurso a objectivas de maior distância focal que tornaria mais fria e distante a sua relação com os romeiros, opção que também sublinha a estética presente, e a vida e o lado humano que as imagens transmitem, bem longe de uma visão de “tipicismo” que alguém da cidade pode associar a estes acontecimentos. Por outro lado, o fotógrafo sabe posicionar-se e sem interferir nos acontecimentos acaba por obter olhares cúmplices de grande força (153 Senhora d’Agonia, Viana do Castelo). Na realidade o trabalho de Paulo Alegria consegue transmitir esse lado vivo e emotivo das festas e romarias, optando o livro por se estruturar de forma a se assumir como um corpo único em que as fotografias levam o leitor a viver durante os períodos de manhã, tarde e noite num dia de romaria. Destaque para o grafismo, simples mas eficaz do livro em edição bilingue, para a escala das imagens presentes e para a qualidade de impressão, por vezes melhor que a das imagens expostas, emboras estas sejam prejudicadas pela iluminação existente. Aliás, a exposição em si merecia uma selecção mais coerente esteticamente, imagens apresentadas de forma mais formal, o que muito as beneficiaria (eventualmente outra escala e em função desta e das imagens uma reflexão se se justificaria pass-partout e moldura), e uma outra iluminação. Seria imperdoável deixá-la passar sem lhe dar a devida atenção.

Seria ainda injusto não realçar o trabalho e a dedicação que um levantamento fotográfico destes implica. São necessários anos para conhecer as pessoas, para preparar o terreno, para falar e para aproveitar situações que mudam em função das pessoas, das horas, da luz, do estado do tempo. E são necessários anos para compreender as mutações de ordem social que estas fotografias conseguem transmitir (55 S. Cristóvão, Freixo) e estar, na mesma época, em locais tão diferentes. Em todas as imagens se vislumbra algo de sacralizado conjugado com a alegria. Em todas está presente o convívio, mas também o efémero de cada momento. Aqui se retrata de forma exemplar a relação entre a tradição e o moderno e entre o sagrado e o profano, traços tão evidentes nas romarias no nosso país. Convinha que esta exposição circulasse, mostrando o excelente registo fotográfico e o importante documento histórico e social que a constitui.

1 comentário:

  1. parabéns pelo trabalho e um bom 2011

    josé lopes
    s. miguel - açores

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