terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Açores profundos


Para quem gosta de livros, passar por Ponta Delgada e não ir à velha Livraria Gil é cometer um pecado grave. Foi lá que encontrei açores profundos, um livro de fotografia, talvez o melhor que vi em 2008 (ainda que a data de edição seja 2007), numa edição da Caixotim, com imagens do fotógrafo micaelense Paulo Monteiro e textos de Álamo de Oliveira e Madalena San-Bento.

Açores profundos constitui um excelente levantamento fotográfico de diversas festividades açorianas, em diferentes ilhas, onde o sagrado e o profano se conjugam gerando complexidades culturais diferenciadas. É um levantamento fotográfico de grande qualidade estética, visto numa vertente de autor, muito próximo de um trabalho conhecido nos circuitos internacionais - Espanha Oculta de Cristina Garcia Rodero, a quem, de resto, o autor agradece a inspiração no final do seu trabalho. Ao longo de toda a obra pode observar-se um erudito gosto e um olhar sofisticado daí decorrente. Causa e consequência disso, observa-se uma proximidade e uma envolvência com as pessoas e as situações registadas, que se materializa na escolha adequada de objectivas e enquadramentos e nos momentos certos para o disparo, que de tal forma é evidente, que faz com que o fotógrafo, quase de uma forma egoísta, se aproprie de momentos únicos da cultura colectiva. Os gestos, os olhares ou os sorrisos registados possuem o timing certo do disparo, nem mais nem menos um breve segundo. Aqui se pode vislumbrar a alma açoriana presente nas tradições, nas catástrofes da natureza, sejam elas os sismos ou os omnipresentes vulcões, temperadas com o sofrimento, a alegria e a fé. 

Este é também um trabalho reflectido em termos de abordagem técnica e estética, sendo disso exemplo as soluções técnicas  adoptadas ou os continuados enquadramentos ao baixo. Por outro lado, a forma de tratar o preto e branco consegue traduzir as ambiências e os momentos, também com uma grande semelhança com o trabalho de Cristina Rodero atrás referido (São Brás, Ilha de S. Miguel, primeiro dia de peregrinação, 2000, em oração na igreja ou Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, 2003, desfile dos cavaleiros). 

É também um trabalho que se afasta dos estereotipos destinados ao turista, estando sempre presente a ideia de registo sociológico, com o qual se preserva para o futuro uma realidade em risco de desaparecer ou de ser adulterada. As imagens, ainda que com uma base documental, traduzem o facto de o autor considerar as pessoas o mais importante da fotografia, relegando os espaços para simples fundos da composição.  

Por último há que fazer uma referência ao grafismo da obra, moderno, de bom gosto e adequado às imagens e à impressão, esta de excelente qualidade. É claramente um trabalho indispensável em qualquer biblioteca de fotografia.

1 comentário:

  1. Tive a oportunidade de os ver a ambos e apenas por me encontrar menos familiarizado com as questões culturais e religiosas de Espanha, o trabalho da Cristina Garcia Rodero acabou por me cativar mais.

    Dois bons livros de fotografia que nos transportam para o interior das ruralidades que a desenraizada e frenética vivência citadina impossibilita de chegarem ao nosso conhecimento.

    Duas boas obras que tentarei rever com mais tempo.

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