terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Saber ver II

Damos continuídade, neste artigo, ao tema abordado em Saber ver – parte I, através dos quais pretendemos referir alguns aspectos que devem ser tidos quando analizamos imagens. Um desses aspectos a ter em conta é a luz. A luz é fundamental na beleza da imagem e na composição. A luz varia na sua qualidade, intensidade e direccionalidade, o que se reflecte não apenas na leitura do objecto, mas também na ambiência que a imagem traduz, o que tem uma estreita relação com a atitude estética, que varia de fotógrafo para fotógrafo, ou mesmo de trabalho para trabalho. A luz escolhida para trabalhar em fotografia de turismo pode nada ter a ver com a luz que se adopta em fotografia de autor de tendência mais contemporânea. Compreender isso é, logo à partida, perceber o tipo de trabalho que estamos a ver. Claro que isto já está muitos degraus acima da medição de luz ou de quaisquer outras abordagens de ordem meramente técnica, que pode mesmo motivar opções técnicamente “erradas”, quer seja na temperatura de côr, quer seja na exposição.

O ambiente é também algo que a imagem terá de captar. É um elemento subjectivo e difícil de definir, mas que de facto existe. Está relacionado com o posicionamento da máquina, importante para os planos e a composição, com o momento, com a objectiva usada e, fundamentalmente, com o grau de envolvimento que o fotógrafo mantém com o conjunto dos objectos e pessoas fotografados.

Um dos elementos mais críticos de uma imagem é o momento da decisão do disparo. O que se pretende fotografar é aquilo que prevê ir acontecer ou aquilo que visualiza? Neste último caso, entre o acto de visualizar uma dada imagem no visor, reagir carregando no botão, ocorrer a abertura do obturador e ser efectuado o registo pelo sensor, pode ocorrer um espaço de tempo que faça com que aquilo que registamos já não seja aquilo que vimos, mas antes aquilo que ocorreu depois. Pode ser uma fracção de segundo, mas é esse tempo que fará toda a diferença. É aquilo a que Cartier Bresson chamava de “o instante decisivo”. Embora hoje ele não constitua um elemento totalizador da análise fotográfica, a verdade é que continua a depempenhar um importante papel. Assim, o fotógrafo terá de gerir algo que é contraditório:- por um lado tem de ser rápido a reagir, por outro lado ser ponderado, atendendo a diversos aspectos técnicos e estéticos, o que o torna lento. Por isso a estética deve ser intuitiva evitando com isso a perda de tempo precioso. Daí ser tão importante a educação visual. Sob o ponto de vista técnico a acção deve também ser intuitiva e quase mecânica, mas consciente e acertada. Isso evita excessos de formalismo incompatíveis com uma modernidade no olhar. A instantaneidade representa uma pequena fracção do tempo, contínuo, que registámos fotograficamente. A escolha desse momento não deve ser fruto do acaso, mas antes de uma atitude, de uma predisposição, da concentração do fotógrafo e do seu domínio técnico e estético, onde, neste último ítem não se pode deixar de acrescentar uma genuídade estética.

No meio de tantos considerandos teóricos há que nunca esquecer que a imagem fotográfica deve proporcionar sempre um momento de fruição, quer de quem a efectua, quer de quem a vê. Independentemente de gostarmos ou não dela.

Por outro lado, quando se visita uma exposição, além da análise individualizada das imagens há que atender ao conjunto. Longe vão os tempos em que fazer uma exposição era pendurar imagens numa parede. Em Portugal há que não esquecer o trabalho pedagógico desenvolvido pela Galeria Ether, em Lisboa, nos idos anos oitenta. Hoje, a procura de novas formas de expôr, nada tem a ver com menor cuidado, respeito pelo público e incoerências. Querer fazer uma montagem não formal com imagens conservadoras esteticamente revela uma menor cultura e menor maturidade fotográfica ou, no mínimo, incoerências na forma como se concebeu o trabalho. Como em tudo há excepções. Ainda recentemente em Paris assisti ao predomínio do acto de expôr sobre a sofisticação da montagem, mas o resultado era amplamente favorecido pela qualidade das imagens. Em Nova Iorque muitas pequenas galerias não se preocupam em possuir catálogo, mas a entrada das obras no mercado da arte faz-se de forma natural e graças a pessoas cuja função é procurar talentos. Mas estamos a falar de situações de excepção, sublinho.

Por isso, o espaço é hoje uma parte da própria exposição. Há fotógrafos que estabelecem um diálogo frutuoso com arquitectos e comissários no sentido de definirem a arquitectura dos espaços, a côr e a iluminação. Numa exposição há que ter em conta a montagem das imagens, seja em moldura ou não, já que isso se relaciona com opções estéticas. O recurso a uma moldura, ou à montagem sobre pvc ou alumínio, encostado à parede ou distante dela, deve ser consequência de uma abordagem mais clássica ou mais contemporânea. Aqui também se pode incluir a questão da dimensão, que deve estar em consonância com as opções estéticas do trabalho, ou até comunicativas, já que uma imagem de menor dimensão gera a proximidade/intimidade com o público, enquanto que uma maior dimensão se aproxima da realidade com um carácter impositivo. Este aspecto liga-se também à distância a que vê as imagens, que se relaciona com a dimensão. Tudo isto deve ser previamente pensado pelo fotógrafo, já que significa opções técnicas ao longo da execução do projecto.

Para além disso devemos atender à importância dada à relação da imagem com o que imediatamente a circunda, nomeadamente á utilização ou não de pass-partout em cada uma, à distãncia existente entre as imagens e á sua dimensão. Devemos também ter em conta a impressão laboratorial e a iluminação das obras expostas, que tem influência sobre a dispersão da atenção do visitante, sobre a impressão laboratorial, nomeadamente o contraste e a volumetria da imagem.

Igualmente importante é o ritmo da exposição, que deve empolgar o visitante e deve ao mesmo tempo esconder as imagens menos boas. Neste aspecto é importante, numa visita a uma exposição, saber por onde se inicia a visita à exposição – entra-se pela direita ou pela esquerda? – já que a história que o fotógrafo nos conta é diferente. Por último, as imagens no seu todo devem-nos também fazer reflectir na coerência do conjunto, reflexo da maturidade do fotógrafo.

Eis aqui mais alguns elementos a ter em conta numa exposição. Juntando estes dois artigos, não é difícil perceber-se o porquê de certas afirmações que aqui fazemos. Que sejam úteis para todos os fotógrafos e para o público em geral.

4 comentários:

  1. Excelente texto em estilo 'workshop'. Alias, devo dizer que estou muito agradado com a qualidade deste blog no que diz respeito a cobertura que faz da arte de captar o momento.

    Verifiquei que em Agosto me enviaram uma mensagem para vir dar uma olhadela e não me arrependo nada. Pelo contrario, pequei pela demora.

    Divulgarei este blog. Continuação de bom trabalho!

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  2. dá que pensar para quando fazemos ou vemos uma exposição, aliás penso ser esse o objectivo deste blog

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