quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O Livro Vermelho de um fotógrafo chinês


Vale a pena ver na Cadeia da Relação, no Porto, O Livro Vermelho de um fotógrafo chinês, de Li Zhensheng. A exposição é um autêntico livro de História do século XX, retratando uma realidade que marcou a vida de milhões de pessoas na China e fora dela. Bem apresentada, a exposição demonstra, nas diferentes salas em que se apresenta, uma arquitectura pensada e cuidada, à qual se juntam excelentes impressões fotográficas, em imagens de diferentes dimensões bem articuladas.

No texto do catálogo Maria do Carmo Serén diz-nos que "as fotos são o próprio fotógrafo". Nada de mais verdadeiro. Por vezes assistimos ao deambular por diferentes linguagens, umas próximas do cinema outras de nítida reportagem fotográfica, vemos diferentes abordagens estéticas, umas mais conservadoras outras menos, talvez fruto de uma maior preocupação do fotógrafo com os acontecimentos, eventualmente consequência de quem sentiu o ambiente revolucionário da Revolução Cultural chinesa, mas certamente de quem colocou muita paixão nas imagens que registou. É isso que nos permite compreender o bom sentido de colocação do fotógrafo, bem expresso no camponês que incita a multidão cantando slogans (Harbin, 1965), o momento certo do disparo, registando o dinamismo da cena que nos mostra os Guardas Vermelhos do Instituto de Engenharia Militar (Harbin, 1966) e ainda o seu envolvimento sentimental e militante, visível na multidão que agita o retrato de Mao (Harbin, 1966). É também isso que lhe permite registar todo o dramatismo da condenação pública de Wang Yilin (Harbin, 1966) ou do castigo imposto a Li Fanwu (Harbin, 1966), acusado de usar um penteado semelhante ao de Mao e registado numa notável sequência de imagens.

Foi este envolvimento, diríamos militância, refira-se que Li Zhensheng foi membro do Partido Comunista Chinês, que o levou a aceitar a manipulação das suas imagens, acabando por ser vítima do próprio ambiente revolucionário que fotografou, vindo a ser condenado a trabalhos forçados e ao internamento num campo de reeducação. Escondidas debaixo do soalho de sua casa, as imagens foram posteriormente enviadas para os escritórios da Contact Press, em Nova Iorque, entregues em cerca de 30 000 pequenos envelopes, cada um deles com um único negativo e diversas informações àcerca do filme, data e local do registo, além de outras informações suplementares.  O acordo para a apresentação pública das imagens determinou que nenhuma delas seria reenquadrada e que todas seriam emolduradas sem vidro, para permitir uma intimidade mais directa com o visitante. Para Li Zhensheng valeu a pena este trabalho de uma vida, exercendo hoje a sua actividade, enquanto fotógrafo, entre Pequim e Nova Iorque. Para nós, vale a pena ver estas imagens, pelo período histórico retratado e pela fotografia, no que toca ao seu valor ético, estético e de apresentação.

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