sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Saber ver I


Frequentemente chegam até nós pedidos para esclarecermos os critérios de análise de exposições, ou melhor dito, os aspectos que são tidos em conta para essa análise. Ainda que este tema já tenha sido abordado neste blog, aqui fica uma contribuição mais desenvolvida para essa reflexão.

Em primeiro lugar analizar uma imagem é bem mais do que dizer que gostamos ou não gostamos. O gostar de uma imagem não faz dela uma boa ou má imagem. Confundir o gosto pessoal com a qualidade significa fecharmos a nossa capacidade de análise a um mundo restrito, que nos torna incapazes de analizar uma obra de arte. Aliás, é por isso que uma imagem (ou uma obra de arte) é boa ou má e não é relativa esta classificação e não depende do gosto de cada um. Quando se diz que uma imagem pode ser boa para uns e horrivel para outros, estamos a cair neste erro de relatividade, de misturar o gosto com a análise objectiva. O facto de não gostarmos da obra de um fotógrafo não nos deve impedir de reconhecer um bom trabalho. Mais, uma fotografia, tal como uma pintura, tem um valor intrínseco, independentemente da época ou da análise. Isto para além de podermos questionar a capacidade de análise e conhecimentos de quem gosta ou não gosta. Também tudo isto nada tem a ver com “estilos” pessoais, que muitas vezes não passam de desculpas pelos erros, ou razões para alguns teimosamente se manterem no mesmo caminho.

Quando na crítica fotográfica se analiza uma imagem temos de considerar

- o sentimento que ela desperta, já que uma imagem tem de transmitir algo, que poderá ser semelhante ou diferente do que o fotógrafo sentiu, segundo as correntes estéticas seguidas. Há quem entenda que o sentir do fotógrafo se deve transmitir ao público, linha seguida por Sebastião Salgado, por exemplo, e há quem considere que essa preocupação só por si é castradora da capacidade criativa do artista. Independentemente da mensagem que chega ao público ser ou não a mesma do emissor/fotógrafo, o facto é que terá de haver uma mensagem no receptor/público;

- a sua execução técnica, tendo em conta a medição de luz, a focagem e a profundidade de campo, entre outros aspectos. A técnica é, no entanto, algo que deve suportar a estética e deve servir-nos para não perdermos oportunidades. Não deve nunca ser o suporte único da fotografia. Atenção também aos conceitos de “qualidade”, esses sim subjectivos e adequados ao fim. Uma fotografia feita com uma pinhole ou um telemóvel pode ser adequada para figurar numa galeria e pode não ser adequada para outros fins;

- a inovação e maturidade estética nela expressa, que por vezes pode subverter a técnica;

- a luz, quer em termos de qualidade quer no facto de respeitar a realidade;

- o ambiente transmitido, que se pode traduzir pelo sentir de um momento ou de um local como se lá estivéssemos;

- o “momento certo” do disparo, que pode ter a sua tradução na expressividade quando fotografamos pessoas;

- a mensagem ou conteúdo da imagem;

- a composição, tendo em conta o que a imagem sugere, a distribuição dos elementos no espaço fotográfico e o sentido da leitura de uma imagem, que é da esquerda para a direita, em varrivento horizontal, para quem escreve com a mão direita e da esquerda para a direita, independentemente de uma estética mais moderna ou mais conservadora. Há também que não esquecer que a ruptura das normas deve ser consciente e motivada pelo sentir da imagem e nunca pelo seguidismo de modas ou imitações.

Por isso se torna absurdo julgar uma imagem pelos filtros que usa, pela técnica mais ou menos rebuscada, pelas cores ou pela definição. Aliás, a fotografia não vive desses enfeites que são os filtros e os efeitos de photoshop, admitindo-se estes apenas como opção de desconstrução da imagem e nunca como forma de valorizar aquilo que é banal. A fotografia não vive dos “efeitos”, mas antes de uma variedade de qualidades que valem pelo seu conjunto e, como prova disso, temos um vasto conjunto de imagens que têm ficado para a História da Fotografia.

Por outro lado quando se reflecte sobre o trabalho de um fotógrafo devemos tentar compreender aquele como parte de um percurso. Conhecer esse percurso é compreender o porquê das imagens que temos à frente e não sermos influenciados ou desculparmos momentos menos bons que todos temos. Este percurso tem também muito a ver com a gestão do nome, algo tão ignorado no nosso país pela grande maioria dos fotógrafos. Em que galerias expôs, que colecções integra ou qual a sua cotação no mercado da arte são elementos importantes, e tão importantes quanto a ordem de crescente importância dos locais onde expôs. Através deste percurso também se podem compreender rupturas ou continuídades estéticas, que é preciso ter em atenção para o historial do fotógrafo. Juntemos a isto o conceito que está presente na coerência dos trabalhos. Se todos os que usam uma máquina dominarem a técnica, é o conceito o elemento diferenciador, aquilo que torna a imagem pensada e sentida, ou seja a marca pessoal do artista.

Estes são alguns dos aspectos que se analizam numa visita a uma exposição. Esperamos que sejam úteis para que cada um aprenda a ver e a tirar partido da visita. Só acrescentaria mais dois aspectos, mais subjectivos, mas nem por isso menos importantes. Um é ter uma mente aberta. Ir ver uma exposição sem preconceitos, sem ter ideias feitas `partida e, se não se gostar ou não se compreender, em vez de recusar logo, cada um interrogar-se se está preparado para compreender aquilo que vê. O outro aspecto é que por vezes não há palavras para certas justificações. Há imagens que se sentem, o que tem a ver com educação visual, fruto de se verem muitas exposições, sejam de fotografia, sejam de escultura, pintura, artes decorativas, etc.

(continua)

2 comentários:

  1. tenho dificuldades em aceitar que a "qualidade" de uma imagem de um determinado autor esteja limitado pela gestão do nome, ou pela cotação no mercado de arte, por exemplo. afinal as imagens têm um valor intrínseco.

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  2. Gostei da abordagem, já que alguns dos aspectos referidos podem ajudar-nos a compreender uma exposição ou um autor. Também esta questão da "gestão do nome" deveria fazer pensar melhor os fotógrafos aqui em Portugal cada vez que aceitamos um espaço para expor os nossos trabalhos. Até que ponto isso é vantajoso ou existe de facto. Pessoalmente conheço bem uma realidade norte-americana onde estudei e onde se conjuga esta questão com uma forma desprentensiosa e solta de expôr, sem medo de recriminações ou críticas, onde expor faz parte de um crescimento regular que nos permite melhorar. Onde nem sempre é preciso um catálogo ou um flyer, onde o importante é, também, trocar experiências. Isso faz com que o nome do artista tenha um valor de mercado, que não torna as suas imagens melhores, mas que, como diz o texto, ele passa a ser compreendido pelo público e pelos outros artistas.

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