terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Fogo Frio


Alexandra Lucas Coelho escreve que "não há um intruso nas fotografias de Duarte Belo. Ele vê como se ninguém estivesse a ver aquilo. Então é assim que as coisas são quando estão sozinhas. No vulcão dos Capelinhos as coisas estão antes de nós. O mar abriu um buraco negro e de repente coincidimos com uma paisagem que ainda não sabe da nossa existência. Dorsos altos com encostas cobertas de minerais, ocres, brancos, vermelhos, azuis. Ao meio dia, cega, de tanto brilho. Todos os dias o vento leva a sua parte. Nenhuma pergunta, nenhuma resposta. O lugar não fala e vai desaparecer. Então é assim que as coisas são quando estamos sozinhos". 

Nada melhor que este belo texto para caracterizar as imagens de Duarte Belo presentes na Kgaleria. São imagens com força e alma. Força porque quem olha para aquela imagem do mar dos Açores sente as ondas a rebentarem à sua frente. Alma, porque aquelas imagens do vulcão dos Capelinhos nos transportam até ao local, envolvendo-nos no abraço da mãe terra, quente e rude, onde em fundo espreitam verdejantes montes. São assim os Açores.

As imagens, inseridas na série Fogo Frio e captadas em 2007, mostram-nos um olhar leve e moderno, longe dos formalismos clássicos da paisagem, mas nem por isso menos cuidado ou revelador de um sentido estético menos apurado. Mostra-nos também o que o fotógrafo sentiu, diriamos até por aquilo de que o fotógrafo se apaixonou, em cada recanto retratado, num levantamento feito a convite da Câmara Municipal da Horta, cinquenta anos após a erupção dos Capelinhos, em Setembro de 1957. Numa dicotomia terra/mar, Duarte Belo consegue registar mais do que a beleza da própria natureza, exprimindo a sua própria opinião sobre a paisagem que fotografa, ao mesmo tempo que mantém uma coerência estética que já vem de anteriores trabalhos. É uma paisagem muito contemplativa, em que o fotógrafo observa e sente, não interferindo com o local, não participando, não adulterando. O fotógrafo é ali um espectador passageiro, num mundo que também é temporário. E esta é uma forma erudita de fazer fotografia.

Ao entrarmos na galeria respiramos espaço, o espaço das imagens mas também o espaço, profundamente branco, da galeria. Torna-se agradável ali estar. Depois as imagens estão bem distribuídas pelo espaço, sublinhando-se o ângulo em que todas elas são vistas, mas sendo disso o melhor exemplo a imagem que está ao fundo da galeria que, vista de baixo para cima, por um lado nos inferioriza face à paisagem retratada, por outro, sublinha a própria paisagem. Embora sendo discutível a montagem, aqui os pregos não me chocam, naquela paisagem de céu e rochas mescladas de ervas. Interessante é a opção pela ausência de vidro sobre as imagens, que se revela positiva, proporcionando-nos um maior contacto com cada uma das situações. Realce também para o excelente trabalho de impressão laboratorial, do melhor que temos visto, contributo fundamental para a força das imagens presentes.  

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