sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

FRIDGED - reflexos da alma?

exposições crítica

Até 27 de Fevereiro é apresentada a exposição FRIDGED – reflexos da alma?, de Pedro Matos Soares, na Sala do Veado, no Museu Nacional de História Natural, em Lisboa.

A primeira coisa que surpreende ao visitarmos esta exposição é a simplicidade do tema, que se conjuga com a visão da sala e da exposição. Como se pode agarrar num tema simples e torná-lo tão importante ao ponto de constituir um retrato global das pessoas retratadas, incluindo nesse retrato os seus objectos de uso comum e terminar levando-nos a questionar-nos sobre nós. Diz André Dourado, no flyer que acompanha a exposição, que “retratando o rosto de algumas pessoas e os seus frigoríficos e num caso até, apenas o frigorífico o fotógrafo inverte aqui os papéis aparentes que uns e outros assumem normalmente: os rostos são mostrados sem emoção, impassíveis, de aço, poderíamos mesmo dizer, enquanto os frigoríficos aparecem animados por tudo aquilo que as suas portas podem fixar, suportar, enquadrar ou até ser. Ou seja, à personalização dos frigoríficos corresponde um congelamento das expressões e emoções das pessoas, e um quase esvaziamento do ser ”. Ainda assim, os olhares são directos e fixam-nos, sublinhando com isso a ausência de expressão nos rostos, no entanto e por contraponto, as características destes e os olhares evitam uma total despersonalização dos retratados. Só por isto, estamos já perante um trabalho deliberado e refletido. Mas há mais. À originalidade temática e de abordagem, o autor junta uma boa execução técnica e uma interessante postura estética baseada na contemporaneidade. Na execução técnica destaque para a impressão ou, a montante, a criteriosa escolha da altura da câmara ou a correcta gestão da temperatura de côr. A própria iluminação uniforme nos retratos, recorrendo ao mesmo posicionamento das luzes, salienta a ausência de emoção que é completada com a colaboração dos retratados. Por outro lado, os frigoríficos além da “vida” que possuem, são ricos de informação circundante, reproduzindo o ambiente das cozinhas, numa estética moderna, de informação directa, rica e variada. A própria luz, plana e uniforme, faz com que a expressão dos frigoríficos se baseie na decoração pessoal e no seu design e não nos objectos que o rodeiam, cuja função é apenas complementar. Bem escolhida é também a escala das imagens.

Por último, destaque para a boa impressão, em jacto de tinta em papel Fine Art sobre Alucolic, com imagens destacadas da parede, a lembrar que foi um aspecto da exposição que não foi descurado. A apresentação, deliberadamente simples, recorre ao material fisico da parede despida e rude, para salientar a humanidade dos objectos. A ausência de elementos mais formais, como molduras ou pass-partouts, aponta-nos também para uma abordagem estética menos formal, algo que muitas vezes alguns fotógrafos se esquecem: conjugar a estética das imagens com a apresentação.

Diz-nos ainda o texto que acompanha a exposição que “a exposição Fridged arriscase a deixar um impacto permanente na vida de quem a veja: por um lado, fará com que passemos a olhar de outra maneira para o nosso frigorífico, e para aquilo que diz de nós mesmos, o que no limite nos pode levar a uma antes inimaginável autocensura; por outro, pode fazer de nós voyeurs inesperados, e suscitar curiosidades mais ou menos saudáveis em relação à cozinha do próximo. Logo, arriscamonos todos a ficar verdadeiramente fridged, até porque seremos levados aesconder esse neointeresse num olhar o mais neutro possível...”. Interessante…

1 comentário:

  1. É interessante como um tema tão próprio consegue ter visões, estéticas e até conceitos tão diferentes.

    Em tempos li sobre este projecto na Popular Photography e de imediato me lembrei dele quando li este post.

    http://markmenjivar.com/you-are-what-you-eat/statement/


    André Garrido

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