sábado, 28 de março de 2009

Uma reflexão sobre a fotografia

A Constituição Portuguesa refere que todos têm direito à Educação e à Cultura. O próprio Estado, para além da salvaguarda do património, assume também a responsabilidade de incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos à Cultura e, através dela, corrigir as assimetrias existentes no país, tomando como exemplo a oferta de ensino artístico especializado ou a realização eventos culturais. Tudo isto vem a propósito do documento divulgado pelo ex-Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, em dois jornais de grande circulação, o Expresso e o Diário de Notícias, e a consequente resposta do actual ministro, no discreto Jornal de Negócios. Desde já confesso que fiquei chocado com a resposta, por vezes a roçar a má educação, ao chamar de tolos, parvos e ignorantes (o ministro não desmentiu o jornal) aos que discordavam dele. Como se o reflectir sobre algo e discordar não fosse um acto de cultura.

Se é verdade que as novas exigências, determinadas pelo público, pelas realizações em si ou por novas formas de encarar o património, determinam igualmente novas metas, também é verdade que implicam outras exigências orçamentais. Cada vez é mais difícil de fazer mais com menos dinheiro, a não ser que os que nos tenham antecedido sejam todos incompetentes. A verdade também é que há que romper com a má tradição dos governos, de olhar para a Cultura como o parente pobre entre os vários sectores que o compõem, onde o seu orçamento é o mais escasso de todos eles. Sem um orçamento condigno não há uma verdadeira política cultural. A Cultura tem de ser assumida como um pilar do desenvolvimento integral e sustentado do país. Hoje é um facto a desigualdade de acesso aos bens culturais, quer na fruição quer na criação, entre os portugueses do litoral e do interior, dos grandes centros e dos pequenos centros urbanos. A prazo, essa desigualdade transforma-se em desigualdade no acesso ou na compreensão da informação, que por si só será a razão de novas desigualdades económicas, culturais e, em última instância, sociais. Se é verdade que hoje é possível constatar uma maior frequência dos museus, exposições ou monumentos, por comparação com o verificado há uma década atrás, a verdade é que o público não se alargou significativamente, sendo básicamente o mesmo, apenas com ligeiras variações etárias e sociais e uma maior intensidade no consumo cultural. A ruptura deste espartilho passa não apenas por criar a aptência pela cultura nos portugueses adultos, mas também e principalmente, pela criação e fidelização de novos públicos, assim como pela criação de equipamentos de entrada, com resultados muitas vezes incompatíveis com o tempo das legislaturas.

A cultura é vista por muitos países como uma opção estratégica da sua política externa e, internamente, como geradora de riqueza económica em diferentes áreas. Como isto é um blog de fotografia, pensemos na projecção da fotografia portuguesa no exterior e no papel exercido por uma entidade que, pomposamente, se designa de Centro Português de Fotografia, integrado na estrutura do Ministério da Cultura. A descoberta de novos artistas está ausente da sua actividade diária, o apoio aos novos valores não o faz, a descoberta, aquisição e salvaguarda de novos espólios, é uma área hoje deixada às Fundações privadas, os prémios aos novos autores silenciosamente desapareceram. A sua actividade nunca se estendeu verdadeiramente para além do norte e do Porto em particular. A sua integração nos Arquivos (???) foi desastrosa e a sua actividade resume-se a mostrar enlatados ou a anunciadas produções de gosto e qualidade duvidosa, que nos fazem lembrar os jogos florais de há uns anos. E apesar disso a sua existência é necessária. A Europa de hoje é um mosaico de culturas cujas produções circulam em rede. É nestas redes que circulam exposições e co-produções, que podem incluir equipas transnacionais e é através delas que os criadores portugueses podem saltar fronteiras. A nossa fotografia não tem meios nem projecção. E não me venha o senhor Ministro chamar de ignorante, porque estou na fotografia há suficientes anos para saber dela o que o senhor ministro nunca saberá. 


1 comentário:

  1. Só posso dizer que gostei. Até hoje nunca consegui ver no estangeiro uma exposição de fotógrafos portugueses. Não sei porque é que os nossos fotógrafos não são mais apoiados para se mostrar lá fora o que é a fotografia portuguesa. Quanto ao CPF ser uma instituição do norte, não concordo inteiramente. É que neste momento nem do norte é. É simplesmente inexistente.

    José Garcia (fotógrafo)
    Vila Nova de Gaia

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