segunda-feira, 29 de março de 2010

Kglamour

Chama-se Kglamour e nenhum título poderia ser mais adequado do que este para a exposição de São Trindade, que é apresentada na Kgaleria, em Lisboa. Quando vi as imagens, antes de ler o press-release, senti ali uma duplicidade interessante, onde está presente um toque clássico, pela pose e pela iluminação, a lembrar Hollywood e, igualmente, um olhar moderno, marcado por uma composição que em algumas imagens recorre ao desequilíbrio e a expressões de retrato mais recentes. E é esta duplicidade que origina um dos aspectos mais sedutores desta exposição e que nos faz equacionar o nosso próprio tempo. Refira-se que este projecto, elaborado propositadamente para o 5º aniversário da Kgaleria, consiste num conjunto de 18 retratos de todos os colaboradores do colectivo Kameraphoto. Recorde-se também que este colectivo, que se assume como espaço agregador de diferentes visões do mundo, foi fundado em Janeiro de 2003.

Voltando ao trabalho de São Trindade, é de destacar a excelente impressão laboratorial das imagens ali presentes, com leitura simultânea nas altas e nas baixas luzes, que se conjuga com um domínio perfeito da iluminação em estúdio. Juntemos-lhe ainda uma interessante montagem, onde o puzlle formado numa das paredes nos mostra um conjunto harmonioso com diferentes imagens e onde a distribuição espacial na sala resulta e pleno, para aquelas imagens, para aquela sala.

Posteriormente, ao ler o referido press-release, que refira-se, a KGaleria dá particular atenção elaborando-o de forma objectiva e suficientemente completo em matéria informativa, vi como a autora assumiu a sua proximidade ao cinema. E porque se trata de um texto extremamente bem elaborado e pedagógico, da autoria de Francisco Feio, não resistimos a transcrever parte dele:

(…) Já na segunda metade de oitocentos, as imagens de celebridades das artes performativas, em primeiro lugar as do teatro, faziam as delícias de apreciadores e seguidores desta ou daquela personagem. Basta lembrar, a título de exemplo, a inúmera produção iconográfica de Sarah Bernhardt alguma da qual esteve a cargo de Nadar que soube, como poucos, entender o duplo papel da fotografia na construção do retrato: o da descrição de um indivíduo, das suas semelhanças e o da inscrição de uma identidade (para utilizarmos a definição de John Tagg). Assim, a fotografia inventariou rostos e corpos, produzindo uma plêiade de imagens de desejo que incentivavam à posse a à colecção. O cinema recuperou esta prática, por alturas do final da época do silêncio e do advento do sonoro. O sistema de produção instalado tomava conta dos seus e a imagem fotográfica reificava o actor numa mercadoria vendável. O estúdio possuía o seu corpo, a sua imagem e garantia o retorno do investimento. O glamour foi o processo através do qual os actores se transformaram em estrelas e a fotografia foi um dos seus maiores agentes (o que era difícil não acontecer dada a partilha nos processos técnicos de fixação da imagem entre as duas práticas). Encenadas, na sua maioria em estúdio, com iluminação rigorosamente controlada, utilizando adereços estudados, um vasto corpo de imagens foi construído e posto a circular na maioria das vezes com a assinatura não do fotógrafo, seria mais frequente a do estúdio, mas do retratado. Corpo e imagem fundiam-se num objecto que simbolizava o próprio sistema e criava uma aura quase mágica em torno do actor que transportava em si todas as ficções a que tinha dado vida (…) “.

É uma exposição que vale a pena ver enquanto projecto fotográfico de qualidade. É uma excelente prenda que a São Trindade deu à Kgaleria no seu 5º aniversário e que até 30 de Abril proporciona a todos quantos gostam de fotografia.

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