segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O sentir das imagens

Muito já se escreveu sobre a comunicação fotógrafo/público num espaço de exposições. Há quem defenda que o autor deve estar atento às reacções do público, sabendo com isso se a sua mensagem chegou intacta, e há quem defenda que o artista deve ignorar por completo o público, para não se auto-limitar no processo criativo. Na arte estas duas posições fazem escola, e se isso é verdade nos seus diversos domínios, desde a pintura ao cinema e ao vídeo, também o é na fotografia. Deve a mensagem criada pelo emissor (artista) ser a mesma que chega ao receptor (público), havendo com isso uma preocupação do artista em chegar a público?

Independentemente desta questão, que tem dividido e continuará a dividir todos os intervenientes na criação e usufruto do objecto artístico, existe algo em que todos estão de acordo:- quem vê precisa de sentir algo face a uma obra artística. Mais do que o redutor gosto ou não gosto com que muitas imagens fotográficas são brindadas, como se o gosto de cada um constituisse um selo que qualidade, é importante que se sinta algo quando se olha para uma imagem. É certo que as sensações que uma mesma imagem desperta em diferentes pessoas poderá, em caso extremo, gerar tantas e diferentes sensações quantas pessoas a vejam. Mas o importante não é gerar a mesma mensagem junto do receptor, o importante é que tenha a capacidade de gerar sensações. Por isso muitas das imagens vazias de conteúdo, ou que apenas se baseiam na côr ou em tecnicismos exacerbados, pouco valor artístico geram. Por isso muitos fotógrafos que circulam em certos sites e fóruns, carregados de filtros, fazendo HDR’s por tudo e por nada, preocupados com o último grito da tecnologia, ficam por vezes confusos com o facto das suas imagens não ultrapassarem a barreira da internet, mesmo que os comentários sejam sempre cinco estrelas, lindas fotografias ou cores fantásticas. É que a fotografia é mais do que técnica. É expressividade. A técnica é apenas uma ferramenta para proporcionar o usufruto de um objecto que é a obra artística. A técnica deve ser dominada para que não se perca a oportunidade, não é o objectivo final.

Por outro lado, este “sentir do coração” deve ser educado em todos nós. O consumo de imagens é tão grande que nos leva a fazê-lo de uma forma superficial. Temos de ganhar a capacidade de parar em frente a uma imagem, sentir e só depois olhar para a composição e para os objectos que a compõem. Quando, face a uma imagem, apenas observamos os objectos e nada mais, passando de imadiato a outra e mais outra, podemos estar a ver fotografias, podemos estar a observar os locais e os objectos, mas de certeza que não estamos a ver a fotografia enquanto obra de arte. É esse sentir que nos permite compreender o ambiente de um momento, como se nos transportassem para outro tempo e outro lugar, ainda que sujeitos a factores culturais e psicológicos muito pessoais. Mas a magia de uma obra de arte é isso, e isso é aprender a ver.

3 comentários:

  1. António... parece que resolvemos soltar cá para fora a opinião sobre as "fotografias bonitinhas" ao mesmo tempo. Eheh. Se leres o editorial da revista ShareMag vais perceber ao que me refiro. Também por isso, expresso aqui o meu apoio em relação ao teu texto. Chega de "fotografias 5 estrelas".

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  2. Viva
    um excelente ponto de partida para uma reflexão do que queremos fazer. Dominar a técnica para poder mostrar a arte.
    Cumps.

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  3. Totalmente de acordo com o que o António escreveu.

    Recordo-me sempre do quanto a lição que aprendi com o José Oliveira, me tem servido para, primeiro sentir (se de facto existir algo que me suscite essa necessidade), e depois olhar a parte técnica, de qualquer fotografia que veja exposta.

    Relembro a foto que ele mostrava e fiquei de boca aberta, por saber que o autor daquela imagem tinha sido escolhido de entre um grande nº de fotógrafos internacionais para uma grande mostra de novos valores da fotografia.

    A imagem representava uma cama revolta num quarto caótico. Banalíssimo na minha leitura inicial.

    Que grande soco no estômago senti quando o José referiu o sentido dessa foto e aquilo que o autor nos apresentava.

    O autor decidiu acompanhar os médicos legistas aos locais onde, momentos antes, alguém tinha morrido, fotografando o local após o corpo ter sido retirado do seu leito de morte. Brutal aquilo que senti ao começar a tentar imaginar o tipo de pessoa que ali viveu, observando os pormenores existente nesse quarto.

    Outra foto da mesma série se seguiu, com outro ambiente, igualmente de morte, mas que retratava uma sala completamente repleta de livros e uma cadeira onde alguém tinha terminado os seus momentos de uma vida repleta de histórias descritas naqueles seus companheiros de viagem.

    Fantástica lição que o José Oliveira me deu.

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