quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Maio Claro - um ensaio ou uma revista de fotografia


No Centro Português de Fotografia, no sábado 31 de Janeiro, foi lançada com certo aparato a primeira revista de uma experiência, que se pretende anual, do Curso de Artes Visuais / Fotografia da Escola Superior Artística (ESAP), do Porto. De grande formato (28 x 45), recupera as actividades desenvolvidas em Maio de 2008, na I Semana de Fotografia da ESAP.  Apesar de conter trabalhos do âmbito do cinema, design e desenho, domina a fotografia, em imagem e texto. É uma revista de artes visuais predominantemente fotográfica. O que é muito gratificante, nos tempos que correm.

Ora a fotografia é uma disciplina complexa. Cobre diversos géneros, regiões de grau diverso de comercialização, aproveitamentos diversos em suportes variados, está na origem de outras artes visuais que nos circundam a vida, o contentamento e o desprazer; o mundo surge-nos mais em imagem do que na realidade do contacto directo, a fotografia iniciou este processo de vida global, esta proximidade, distanciamento e ocultamento a que chamamos sociedade da comunicação. E, afinal, toda a fotografia é documento, basta saber explorá-la e inseri-la numa série qualificável. Nós temos hoje mais documento que vida, mais representação, que sentires em directo.

E assim esperamos que uma revista de fotografia fale de tudo. Dos suportes, da técnica, dos documentos, do actual, do efémero, do mundo todo, da fotografia de autor e da doméstica, das teorias fotográficas e dos muitos usos em que a imagem vai sucedendo. Mas, acima de tudo queremos uma revista de fotografia que nos fale, nos mostre e argumente sobre o que nós somos, apresentamos e sentimos. E aí, sim, o Barthes é necessário, a fotografia remete para o real tanto como para a realidade: traz-nos pela luz qualquer coisa da realidade que conhecemos, desperta em nós o real que se esconde, mas que nos espreita. E a complexidade da fotografia revela-se também na necessidade de arrimo de outras disciplinas para o fotógrafo captar essa realidade fugidia que é o dentro e fora da vida. Não há fotojornalista que não prepare os seus estudos de caso, as séries de tendências, como não há retratista que esqueça tipologias diversas de interpretação de comportamentos. Os fotógrafos alimentam-se de conceitos de mudança e de viragem dos tempos, sabem de não-lugares e de desenraizamento metropolitanos, do absurdo da existência e da resilência, como sabem do absurdo da perspectiva triangular e das colagens dos céus picturalistas.

E então, Maio Claro faz uma síntese confortável de todas estas perspectivas. Tem bons portfólios acompanhados de textos (eruditos e, por vezes um pouco ingénuos, porque excessivos, nas apresentações das imagens dos finalistas em exposição), cobrindo o fotojornalismo, sem esquecer os depoimentos de fotojornalistas de agências portuguesas (Paulo Veludo, Paulo Duarte, Paulo Pimenta e Miguel Carvalho), a fotografia de teatro destacando António Alves; mostra e analisa fotografia de pendor antropológico, com imagens de Valter Vinagre e de arquivo sobre Fatima, recorre a fotografia doméstica de homens da fotografia (como Cão Pestana e José Marafona, do Grupo IF, ou Fernando Alvim sobre o pai fotógrafo). Há ainda recurso a fotografia arqueológica e, naturalmente, a fotografia de autor com dossiers mais vastos: bonitas e apelativas selecções de Virgílio Ferreira (a côr), Nelson d'Aires, Júlio de Matos, Inês d'Orey e Paulo Pimenta. 

O conceptualismo e o recurso pós-moderno nota-se em títulos de ensaio (Isto não é uma fotografia, sobre uma imagem de Chaplin), no desenho e manifesto muito juvenil e contestatário, Banquete permanente, em certo uso de letra de imprensa e manuscrita da decoração, muito arte povera.

Sem apresentação maior, pois o nome conta, surgem dois retratos de Matin Parr, um de José Nascimento, outro de Júlio de Matos, que foi o fundador do curso de fotografia da Árvore, a cooperativa que deu depois origem à ESAP. E ainda um dossier com muita força e pertinência, onde precisamente parecem congregar-se os diversos olhares e análises que a fotografia transporta, Paisaxes interiores, de Manuel Sendón. Aqui se fotografa e se fala daquelas imagens fotográficas que se escolhem para decorar as nossas paredes e que tanto dizem do real que se esconde. 

Maio Claro é uma revista de fotografia; é também um ensaio e um processo feliz. Tem uma lista de colaboradores imensa, e é uma grande responsabilidade do director académico António Teixeira e da coordenadora, Ângela Ferreira. Mas o que é muito novo, é que é de facto uma revista de fotografia.

Maria do Carmo Serén

3 comentários:

  1. um escrito fixe para uma grande revista

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  2. Mas que mal fizemos nós para termos que levar com os textos desta senhora que são no mínimo inteligíveis???

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  3. Que mal fizemos nós?

    E que tal esforçarmo-nos por compreender o que está escrito? Talvez se aprenda (e muito) sobre fotografia. Para quem quiser, claro...

    AL

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