sexta-feira, 10 de julho de 2009

O fundamentalismo

Vai longa a polémica em volta do fotógrafo Edgar Martins. Quando há dias escrevi a propósito da exposição da World Press Photo de que algo estava a mudar no fotojornalismo internacional, até parece que estava a advinhar a polémica. É que hoje existe uma relação cada vez mais estreita entre fotojornalismo e fotografia de arte e daí que o convite do New York Times seja perfeitamente natural. Resta saber se os fotógrafos portugueses estão preparados para esta nova era.

A este propósito acho muito interessante o texto abaixo transcrito, da autoria de João Henriques no blog www.joaohenriques.com/abitpixel/edgar-martins-debaixo-de-fogo/. Este texto levanta algumas questões pertinentes ácerca da actividade do fotógrafo, que em nossa opinião deveriam merecer alguma reflexão, até porque eles têm uma ligação directa com o mercado e o meio das galerias.

(…) Segundo consta, alguns olhares mais atentos descobriram algumas imperfeições corrigidas em computador. Confrontado com o facto, o fotógrafo terá sido incapaz de o negar e o ensaio foi mesmo retirado do ar. Já nos comentários ao artigo, me referira à enorme responsabilidade que seria o realizar de uma encomenda desta dimensão, no mais conceituado jornal americano, cuja audiência é de milhões, para mais altamente exigentes, extremamente competitivos e agressivos, onde o escrutínio pode ser arrasador, sobretudo em se tratando de fotógrafos estrangeiros. Edgar Martins, vencedor da última edição do BesPhoto, terá cometido a imprudência de enunciar a não manipulação digital, quando alguém veio a descobrir uma ou mais “correções” na imagem, as quais pelos vistos foram impossíveis de negar.

Nesta progressiva mistura que se verá entre os fotógrafos “de arte” e a prática do fotojornalismo, vários problemas se levantarão ou já se levantam, sendo a tentação do “perfeccionismo” apenas um deles. A fotografia fine-art tende a ser imaculada e perfeita, a outra não. Alguns artistas, pesem embora os prémios, são comissionados para produzir ensaios, para os quais na maioria da vezes não estão vocacionados, aceitando-os pelas verbas envolvidas e obviamente pelo divertimento. Viajar pelos EUA com tudo pago e a fotografar, está próximo do sonho de qualquer fotógrafo. Depois de ver o primeiro slideshow, ficou claro que as imagens não eram impressionantes, não teriam que ser, obviamente, mas depois deste “escândalo”, é óbvio que o risco em que incorreram os editores nesta contratação lhes saiu muito caro, situação que aliás, a todos coloca em posição altamente comprometedora. Infelizmente, também em Portugal se repetem os exemplos deste tipo de comissões, em que fotógrafos respeitados pela arte que produzem, aceitam fazer trabalhos que estão fora do escopo habitual da sua fotografia, saindo obras menores. Mas quem as não tem? A responsabilidade está não apenas no fotógrafo, que aceita porque o dinheiro faz sempre falta e porque sabe que mesmo trabalhando em algo com que não está muito rotinado ou vinculado, a não existirem problemas de maior, é sempre algo com que se pode aumentar o curriculo. Mas a bola está também do lado de quem contrata, que o faz sobretudo pelo nome, como se isso fosse garantia de qualidade. Um fotógrafo de moda é bom a produzir moda, mas sê-lo-á a fotografar arquitectura? (…)

Convinha também ouvir o Edgar Martins, se efectivamente disse que não manipulava as imagens ou algo parecido, se tal foi escrito mas não dito, se isso foi algo que se escreveu de forma mais ligeira no momento de apresentação do fotógrafo ou ainda se efectivamente errou porque “se converteu” à manipulação e não comunicou ao mundo esse facto. Esse tipo de discussão não é novo. Noutros tempos discutia-se a validade ou não do negativo integral. Hoje discute-se se a imagem é ou não válida se fôr manipulada num qualquer programa de tratamento de imagem, já para não falar no conceito de manipulação, sabendo-se que qualquer imagem digital, quando se quer imprimir num laboratório profissional tem de ser adaptada aos perfis da impressora.

Edgar Martins, para além do prémio BESPhoto foi bolseiro do Centro Português de Fotografia, das Fundações Gulbenkian, Oriente e Macau, viu o seu valor reconhecido pelo Arts Council, etc. Será que todos estavam errados? Edgar Martins no blog artephotographica.blogspot.com/ , que parcialmente transcrevemos, afirma que “já esperava esta discussão, o que não esperava era a forma como aconteceu”. Diz-nos o fotógrafo que “(…) o problema foi o “New York Times” ter vendido a história como vendeu”, ao mesmo tempo que afirma “sou crítico do fotógrafo como turista, que produz um trabalho factual, recuso ser um mero intermediário, que dá uma visão fragmentária”. O artephotographica confirma que Edgar Martins recorreu a um técnico de Photoshop para transmitir intencionalmente a ideia de um mundo paralelo – daí a imagem espelhada que foi detectada. E que isso não se chama manipulação: “Não foi uma alteração para servir a estética. É uma mensagem que eu quero passar da dualidade entre a aspiração e o excesso, a ruína e a decadência”.

O debate está aberto e é positivo para a fotografia, desde que sejamos honestos nos argumentos, desde que pensemos mais com a cabeça e menos com o coração. Serve para reflectir sobre os limites da imagem e o papel, predominante ou não, do conceito.

10 comentários:

  1. o mais importante do trabalho de Edgar Martins são as imagens, não o fotógrafo

    sol

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  2. já conheciamos da imprensa mais dada a escândalos o escrutíneo a que as figuras públicas estão sujeitas, políticos ou não, onde agora só se admitem anjos com certificado de pureza reconhecido. Isso agora chegou à fotografia. Ainda que não seja justificado dizer que não se manipula uma imagem e na realidade se manipule, porque não é correcto eticamente, e o Edgar Martins meteu os pés pelas mãos nas explicações, a verdade é que em minha opinião se está a crucificar o fotógrafo ao mesmo tempo que emergem umas pontinhas de inveja. Discute-se o pormenor e ignoram-se aspectos fundamentais.

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  3. para mim resume-se tudo a uma só palavra - aldrabice

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  4. se o fotógrafo entendeu que o recurso à manipulação da imagem era a melhor forma de transmitir uma ideia porque não fazê-lo? Ele não foi contratado para efectuar a reprodução exacta de um facto, mas sim produzir um trabalho artístico a ser publicado. Por outro lado o Edgar Martins não afirma que não manipula as imagens, diz apenas que não tem o photoshop no seu computador, o que é bem diferente.

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  5. Este tema ainda irá fazer correr muita tinta e prejudicar a imagem dos fotógrafos portugueses. Deveria haver por parte do Edgar Martins uma maior honestidade e humildade. Ao mesmo tempo vamos ver como o fotógrafo se vai apresentar no futuro, quanto à sua imagem de marca.

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  6. A manipulação das imagens sempre existiu desde o início da fotografia. A questão é assumi-la ou enganar aqueles que vão ver uma exposição. Por outro lado as explicações não convencem ninguém e menos aqueles que têm visto as imagens do Edgar Martins e que há anos já desconfiavam da manipulação. O autor deverá fazer a sua travessia do deserto e pedir desculpa aos que sempre acreditaram nele. Mesmo que admita que não viu o trabalho final, mesmo que o New York Times tenha sido enganado (e lá ninguém deu por nada?), mesmo que o tal técnico de Photoshop tenha sido mau ou tenha possibilitado que todos vissem a grosseria da manipulação.

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  7. Pois é, afinal parece haver manipulação. Vejam-se as imagens da série The diminishing present e The rechearsal of space e há mesmo coisas estranhas. O texto propõe-nos a interrogação sobre o conceito, e na verdade há que pensar até que ponto não estamos a levar o conceito a um estremo que nada tem a ver com as imagens produzidas. Daí até filosofarmos sobre algo é um passo. Não digo que esse conceito não faça falta, que não seja até fundamental para compreendermos um trabalho, mas na verdade em muitos casos já substitui o próprio trabalho.

    Não vou questionar a ideia de EM desafiar as convenções, como diz. É essa a postura do artista, mas parece-me de todo incompreensível o engano, ou no mínimo o não esclarecimento, face a todos os que têm acompanhado o trabalho dele. Talvez a humildade aqui fizesse alguma falta e seria demonstrativa do respeito para com o público. Evitava a arrogância das explicações, esfarrapadas e a atirar a culpa para cima de outros.

    E tudo isto para quê? É que vendo as imagens no site do fotógrafo até existem imagens extraordinárias. Espectaculares e sedutoras. E que em muito pouco ficariam diminuídas pelo Photoshop. Assim com toda esta polémica é que ficaram dinimuídas.

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  8. Do meu ponto de vista tudo passa pela forma como terá sido encomendado o trabalho ( era suposto ser imagem sem "manipulação" ?)e a entrega por parte do Edgar Martins ( houve omissão propositada da manipulação ?). Aqui é que poderá haver ou não logro!
    Quanto ao resto, claro, vamos assistir sempre ao crucificar do elo mais fraco - sobretudo se as explicações forem um pouco esfarrapadas -.
    De qualquer maneira o mérito enquanto criador de imagens não deve ser retirado, afinal a obra anterior existe!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Quanto ao facto de alguém dizer que não manipula as imagens mas, afinal, até o faz, já nem vale a pena dizer mais que o que já tem dito por aí — o acto fala por si.
    Eis, para mim, a questão central: é aceitável que um jornalista acrescente a uma reportagem/ensaio coisas que não aconteceram, imagens que não estavam lá?

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