domingo, 14 de agosto de 2011

7 pecados mortais

opinião

A ideia de Capital Europeia de Cultura partiu de um princípio aparentemente simples: em termos europeus o de posicionar a cultura no mesmo grau de importância que a economia e a política no seio da União Europeia, em termos nacionais, a de possibilitar a preservação de particularismos e potenciar a criatividade. Em 2012 teremos Guimarães como centro das atenções, num projeto onde a criação se assumiu como vetor estruturante. Apesar da bondade das intenções o historial das Capitais Europeias da Cultura não é famoso. Lisboa 94 teve um saldo francamente positivo, na requalificação de espaços, nas edições científicas, na qualidade dos eventos. Será Guimarães assim? Pensamos que não. A cidade que inicialmente viu a iniciativa como uma oportunidade de afirmação, sente agora que a iniciativa não é dela, mas a ela exterior e com alguns laivos de artificialidade.

O primeiro equívoco de Guimarães 2012 é o de querer apostar na criação, numa cidade em que os criadores culturais são sugados pelo Porto, onde se quer inventar quando no terreno se vê História em cada recanto da cidade. Talvez fosse mais útil articular a vinda de artistas e exposições com o contacto com artistas nacionais, com formação e com coproduções locais. Sabe-se que alguns artistas já visitaram Guimarães, nomeadamente Filip Dujardin e H. Engstrom e em breve Katalin Deér e Guido Guidi. Contactaram com as associações culturais locais? Há artistas vimaranenses a fazer trabalhos semelhantes? O que fica na cidade depois das exposições partirem? Há workshops previstos? Afirma-se que o projeto “Missão Fotográfica, Paisagem Transgénica”, é uma proposta de reflexão sobre o território do concelho de Guimarães, tendo como tema a arquitetura e a paisagem enquanto construção cultural, sendo até comissariado por Pedro Bandeira e Paulo Catrica, o que nos dá confiança. Se é importante para a dinâmica cultural local trazer artistas que “olhem” Guimarães com outros olhos, também é importante que exista a emergência de criadores locais, ou em breve todas as capitais europeias da cultura serão iguais, fruto de uma produção transnacional que afinal apenas produz, mas não mostra a realidade que justifica a sua existência. Com isto não defendo a promoção de artistas só porque são nacionais ou locais, mas sim a articulação de quem vem de fora com os artistas locais.

Segundo equívoco, querer fazer de Guimarães “um pólo europeu de criatividade” é talvez ter ambições excessivas e e desajustadas do nosso tempo. Não estou a falar de crise, estou a falar do trabalho em rede. A Europa de hoje, além de um mosaico de culturas, de um sem número de sítios históricos, é também uma multiplicidade de centros de decisão e de produção cultural, e esta realidade é fruto não apenas de uma produção interna mas também de relações com o seu exterior. Tão importante como criar ou requalificar equipamentos é criar redes de circulação de artistas e produções. É nesta rede que circulam exposições e coproduções e que por isso reduzem custos e é também através destas redes que a cultura e os criadores portugueses (e de Guimarães) podem saltar fronteiras, ao mesmo tempo que podem combater os fenómenos de sazonalidade. Já hoje não faz sentido, como acontecia na década de oitenta, a criação de redes de equipamentos homogéneos, de norte a sul do país. Hoje, cada equipamento, em função das tradições locais e ancorado em eventos de significativa dimensão, deve proporcionar uma programação múltipla e complementar.

Terceiro equívoco, a responsabilidade de um evento desta dimensão deveria apontar para objetivos futuros. Há quem argumente que fica sempre alguma coisa, nomeadamente a criação de novos públicos, mas para isso é necessário criar equipamentos de entrada, técnicos e agentes culturais.

Quarto equívoco, reivindica-se visibilidade, o que não chega. Irá falar-se de Guimarães, é verdade, mas para essa visibilidade não ser efémera estará pensado alguma coisa? Será que a exposição “Missão Fotográfica, Paisagem Transgénica” depois de produzida virá a ser apresentada no estrangeiro? Será pertença da cidade?

Quinto equívoco: ontem no jornal Público um interessante texto de Francisco Teixeira alertava para o pendor industrialização cultural do evento e para a omissão nas questões da cidadania, garantes da Liberdade e da solidariedade social. Nos tempos difíceis que vivemos, todos os contributos para uma melhor cidadania são essenciais.

Sexto equívoco e uma pergunta: como a política cultural não se expressa apenas ao nível do país, mas também e cada vez mais ao nível dos municípios, com a criação de redes de cidades seja a nível nacional ou internacional é triste ver, tendo em conta todas as declarações públicas até agora expressas na imprensa, o divórcio entre a Câmara local e a organização. Depois da Capital Europeia da Cultura a Câmara fica com agentes culturais formados, contactos com artistas, ou apenas com o encargo de manter equipamentos?

Sétimo equívoco, talvez sinal dos tempos, o facto da cidade se ter alheado, até agora, de um projeto que devia ser seu. Digo até agora, porque desde já alguns dias que chegam mensagens de que algo mexe. Foi criada a Conferência Permanente de Cidadãos e confesso que inicialmente fiquei assustado. As notícias chegadas davam conta de uma “comissão popular” para julgar da bondade das iniciativas. Afinal trata-se apenas e só de um ato de cidadania, de debate, talvez um dos objetivos maiores de uma Capital da Cultura.

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