quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Todos - caminhada de culturas

Durante mais alguns dias, até dia 23, pode ainda ver no Arquivo Fotográfico de Lisboa, Todos – caminhada de culturas, um projecto social e cultural que originou um registo fotográfico deveras interessante. A organização convidou Georges Dussaud para um atelier fotográfico com o formato de residência artística, ao qual se juntaram posteriormente Luis Pavão, Luisa Ferreira, Camilla Watson e Carlos Morganho. O resultado pode ser visto não apenas no Arquivo Fotográfico, mas também em algumas fachadas do Martim Moniz, conferindo uma beleza muito especial àquele espaço.

Ligada à organização, Madalena Vitorino, dizia há tempos ao Expresso, que todo o projecto tem a ver com a ideia de mostrar o que as pessoas não querem ver, consequência de ser uma zona difícil onde a prostituição e a toxicodependência convivem paredes meias com as lojas dos mais variados produtos e com pessoas de todas as idades e culturas. Por isso não é de admirar o ar de respeito pelas pessoas que se respira na exposição, um ar justificado pela forma de fotografar, pelos comprometimentos que se advinham, pelos momentos do disparo. Aliás, ao olharmos para as imagens de Dussaud não podemos deixar de nos recordar de alguns dos momentos que fizeram a glória da Fotografia Humanista na Europa do pós-guerra. Georges Dussaud mostra-nos a intimidade das pessoas sem as expôr excessivamente, mostra-nos a beleza de cada um num particularismo tocante. O vendedor de flores no arraial, a mãe indiana com as duas filhas ou a senhora com o gato são belas, de gente bonita, quase que arrisco, de gente por quem o fotógrafo se apaixonou.

Luís Pavão mostra-se perfeitamente integrado nos locais, ou não fosse ele o autor de Tabernas de Lisboa ou do registo sobre o jogo da laranjinha. Ao olhar para aquelas imagens vêem-nos à memória aqueles dois trabalhos, ainda que estas imagens sejam dotadas de uma maior erudição estética e compositiva fruto dos anos, mantendo, no entanto, a mesma proximidade e relação com as pessoas. Disso são exemplo as imagens feitas nas casas de fado da Mouraria.

Luísa Ferreira parece-nos hesitante pelos vários formatos adoptados, talvez numa procura de novos caminhos. Nota-se, nas suas imagens, uma visão mais fotojornalística dos espaços e das pessoas, sendo nós levados a uma Lisboa que por vezes não reparamos quando andamos por ruas e bairros mais modernos. Exemplo disso é a excelente imagem das indianas que atravessam a rua, uma imagem que tem tudo para ser considerada uma grande fotografia:- enquadramento, composição, momento certo, ambiente e luz adequada, ao mesmo tempo que nos gera sentimentos que só uma grande imagem consegue.

Camilla Watson olha para os locais não pelos seus objectos mas pela sua luz. É excelente a sua interpretação da luz, pena só alguma incoerência temática que, apesar disso, não ofusca algumas excelentes imagens como a das escadinhas à noite ou a miúda a ler nas escadaria. Já após vermos as imagens de Carlos Morganho tomámos conhecimento do seu projecto de auto-retratos, onde o fotógrafo convidou os residentes da Mouraria a transformarem-se em fotógrafos de si próprios. Curiosamente a valorização da pessoa transparece nas suas imagens ao centrar-se nas pessoas e nas atitudes. Nota menos boa para a impressão fotográfica que destoa do resto da exposição.

No primeiro andar podem ser vistas actuais e antigas imagens do bairro, acompanhadas por música de Carlos Paredes. Que pena as imagens da galeria principal também não poderem ser fruídas ao som de Paredes. Decerto ganhariam outra vida. Ao ver as imagens da década de cinquenta do século XX, ou anteriores, ficamos com pena da beleza incrível da zona, que se perdeu pelo massacre arquitectónico a que foi submetida ao longo dos anos. O velho Apolo, a vida das ruas, os quiosques e tantos outros aspectos tornam aqueles momentos fantásticos, num exercício de identificação com os espaços de hoje. São também um exemplo de como uma exposição clássica pode ser complementada com outros meios, conferindo-lhe dinamismo e informação suplementar.

Diz o texto de apresentação que o património representado será guardado no Arquivo como memória da História do bairro. É um extraordinário serviço que o Arquivo presta a Lisboa.

2 comentários:

  1. A ideia de "residência artística" que está subjacente a este projecto parece-me interessante, já que obriga o fotógrafo a repensar a fotografia que faz e a procurar novos desafios. É uma nova fase.

    Claro que todos os fotógrafos ganham com isso, constituindo para cada um que vai ver o resultado final uma nova motivação. Claro também que isso deve ser incentivado pelas autarquias, que aí tinham um campo imenso de intervenção, ou pelo Ministério da Cultura, um Ministério que não tem dinheiro para galvanizar os artistas, criar novos públicos e livrar-se de um conjunto de burocratas com pouca sensibilidade artística. Por isso a nossa cultura e particularmente o apoio à fotografia se tem tornado mais invisível. Se calhar um debate sério sobre a cultura e sobre o discreto Centro Português de Fotografia poderia ser um ponto de partida.

    ResponderEliminar
  2. Os meus parabéns pelo vosso blog, que não conhecia. Gostei da vossa critica à exposição, coma qual concordo.

    Uma palavra para a iluminação da sala, bem feita, valorizando a impressão das imagens e concentrando-nos nelas, sem nos dispersarmos pela informação que existe antes e depois de cada uma.

    Pena que enquanto visitei a exposição ninguém mais tenha entrado. Falta divulgação junto das escolas, no que poderia ser uma boa visita de estudo.

    Marta Silva

    ResponderEliminar

Todos os comentários serão previamente aprovados pelo autor do blog.