quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A interpretação dos sonhos

Vale a pena visitar, até 27 de Dezembro, a exposição de Jorge Molder, na Fundação Calouste Gulbenkian. A interpretação dos sonhos revela-nos um conjunto de imagens plenas de sensibilidade, feitas com grande paixão, apresentadas de forma irrepreensível, seja ao nível da impressão, seja da sua distribuição no espaço, seja ainda no seu dimensionamento nesse mesmo espaço, o que nos leva também a deixar uma palavra muito positiva para o trabalho de curadoria. Um reparo também para a escolha cuidada dos papéis e para a sua relação com a leitura das imagens.

Com as imagens apresentadas e especialmente as séries A interpretação dos sonhos, que dá o nome à exposição, e Não tem nada que me contar seja o que fôr, Molder dá-nos asas à nossa imaginação, numa abordagem que tem tanto de obsessiva e pesada como de sonhadora, envolvente e bela. Na cor, surpreende-nos com abordagens que não lhe são comuns, ainda que mantenham uma significativa coerencia estética por comparação com outros trabalhos. Destaque para a imagem da roleta, pela sua força cromática, ou para a imagem que abre a exposição, da série A interpretação dos sonhos. No preto e branco não há como escapar à beleza da imagem da mão ou da criança a chorar, ou aos sentimentos que elas encerram, num conjunto onde as mãos e os rostos assumem particular destaque. Bénard da Costa disse, quando esta série foi apresentada na Cinemateca, em 2006, que estas fotografias são o cinema. Na realidade, o que pensar da sombra do homem projectada sobre a parede ondulada, a fazer-nos lembrar o cinema italiano e francês do final dos anos 50 e 60?

A acompanhar esta exposição um excelente catálogo, onde mais do que as imagens, Molder se preocupa em nos mostrar a razão das suas imagens, tal como já acontecera com Pinocchio. Todo o texto desta catálogo, todo o cuidado posto nele a na apresentação da exposição, demonstra um profundo respeito do autor pelo público. Sem se submeter ao público, há que demonstrar consideração por ele, demonstrando que não basta colocar imagens nas paredes, e Molder consegue-o de forma excepcional.

Esta exposição, excelente sublinhamos, acaba por ser mais um exemplo de que a cultura está ao alcance de todos. Basta querer. Entrada gratuíta, numa zona central de Lisboa.

2 comentários:

  1. É sim senhor uma grande exposição de um grande fotógrafo, que mais uma vez confirma a sua qualidade fora da mediania nacional. Já fui ver e gostei, pena é que não tenha reparado no catálogo.

    ResponderEliminar
  2. Concordando na generalidade com o que está escrito, não quero deixar de dar o meu contributo ao referir a entrevista de Jorge Molder à revista Artes & Leilões deste mês, que pode ser interessante para compreender a sua obra. A propósito da exposição aqui comentada Jorge Molder garante-nos que a mesma é simultaneamente uma homenagem e um pretexto para referir Freud e para “apresentar” o aparecimento do que não pode ser visto. Molder é claramente um dos mais interessantes artistas nacionais e o seu papel não pode ser reduzido à fotografia. A sua relação com a Arte exopressa-se igualmente no trabalho que desenvolveu na Gulbenkian ao longo de muitos anos de actividade.

    Nesta entrevista Jorge Molder fala-nos igualmente da maturidade das suas imagens, da sua eviolução e da sua forma de sentir a fotografia. Considero interessante um comentário dessa entrevista em que o artista afirma que a procura da arte não é uma procura sistemática. A sua eficácia é da ordem das formas e não corresponde a um encaminhar-se para a verdade, mas sim com um alargamento do campo das interrogações. Quem assim fala compreende a arte.

    Obrigado

    JFM

    ResponderEliminar

Todos os comentários serão previamente aprovados pelo autor do blog.