segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Africa: see you, see me

No Pavilhão Preto, do Museu da Cidade, em Lisboa, está patente até 28 de Novembro a exposição Africa: see you, see me. Com curadoria de Awam Amkpa, realizador e professor na Tisch School of the Arts da Universidade de Nova Iorque e Madala Hilaire, também da mesma Universidade, a mostra apresenta-nos imagens de fotógrafos africanos e da diáspora, juntos com europeus com trabalhos contemporâneos sobre África. Refira-se que esta exposição é uma iniciativa do Africa.cont, projecto da Câmara Municipal de Lisboa que pretende criar na cidade um centro de arte contemporânea.

É uma boa exposição a lembrar a existência de um mundo fotográfico por vezes tão esquecido dos circuitos fotográficos europeus. É igualmente uma exposição que nos mostra uma multiplicidade de olhares e de soluções estéticas, que à primeira vista nos podem parecer estranhas, mas que nos enriquecem pelo vocabulário visual usado. Único contra, a exposição parece ter sido encaixada naquele espaço, por vezes desadequado em ritmo e escala. Eventualmente uma produção, mesmo que pontual, específicamente para o espaço, potenciaria algumas das imagens e daria à exposição uma leitura mais fluída. É evidente que esta exposição não pretende ser uma apresentação ampla da fotografia africana, mas a escolha temática que foi feita, dá-nos uma coerência de conjunto que é de realçar. Mais ainda, pretende-se chamar á atenção para a forma como os africanos se representam a si próprios e a consequente forma de fotografar hoje, em África.

Diz-nos o press-release que a exposição retrata a História da fotografia africana e a sua influência em imaginários não-africanos de África e nos imaginários da diáspora africana em toda a a sua diversidade. A mostra está organizada em três partes distintas: a primeira secção é composta por retratos de africanos que procuram inscrever-se nas paisagens urbanas para as quais migraram. Apresenta os fotógrafos africanos à medida que eles foram dominando, adaptando e subvertendo os planos de enquadramento e os legados das convenções fotográficas deixadas pelos senhores coloniais. A segunda secção é uma mostra dos primeiros retratos etnográficos que imaginavam África como terra bravia povoada pelos primeiros “outros” dos europeus. No contexto da exposição é um interessante contraponto feito entre uma imagem histórica carregada de arquétipos culturais de matriz colonial e a África vista com os olhos de hoje, oferecendo com isso ao visitante algumas referências da História da Fotografia. Esta vantagem pode, no entanto, induzir em erro o visitante, correndo-se o risco de julgar que a fotografia feita por africanos seja algo de recente, o que não é. Acertivo é o wall text existente na exposição ao referir-se a uma “presença/ausência” nessas imagens, muito comuns a partir da década de oitenta do século XIX. Recorde-se que é nesta altura que decorre a Conferência de Berlim, sendo que essas imagens ganham o estatuto de “fotografias etnográficas” ou coloniais, vindo a desaparecer gradualmente após a Primeira Guerra Mundial, ainda que as encontremos em Portugal, na década de quarenta do século XX com a exposição do Mundo Português. A secção final realça fotografias contemporâneas de África, por fotógrafos não-africanos que partilham uma relação de diálogo com os artistas africanos.

Destaque, logo à entrada, para Golden Mine 2009, de George Osodi, onde ficamos sem saber se estamos perante uma fotografia, enquanto original plano, ou algo de tridimensional, tal é a qualidade da luz e a adequada impressão fotográfica. Destaque também para os magníficos retratos de Nii Obodai ou a luz usada nos retratos de Angèle Etoundi Essamba, realçada pelo uso do vidro, o que demonstra a atenção e a compreensão dadas aos trabalhos expostos pela curadoria da exposição. Interessante é também a originalidade de Zanele Muholi (Massah and Minah II) aliada ao seu olhar sobre as questões de âmbito cultural e sexual que atravessam a sociedade africana, ou a provocação estética de P. Maimouna Gueressi com os seus mantos brancos e formas perturbantes, que aliás estiveram presentes em Paris há cerca de um ano. Ainda no retrato, destaque para o trabalho de Marco Ambrosi, pela iluminação, pela pose dos seus models e pela escala (100x100) a lembrar-nos que a escala é uma opção estética, mais do que uma opção técnica ou meramente expositiva. Nos trabalhos de Marco Ambrosi há também que referir a extraordinária relação de volumes entre o retratado e o todo da fotografia, reflexo de uma cultura visual a destacar, ainda que use uma interessante abordagem de recurso aos mesmos adereços e a ângulos semelhantes. Uma palavra também para a arte crítica da fotógrafa marroquina Majida Khattari, colocando na mesma imagem mulheres com e sem véu, ou para as imagens com alma dos restantes fotógrafos marroquinos presentes (Malik Nejmi e Hassan Hajjaj), uma lição para quem faz imagens turísticas de Marrocos.

Não poderíamos esquecer-nos das imagens de Inês Gonçalves ou Pauliana Valente Pimentel, que se destacam entre os portugueses. Inês Gonçalves apresentou imagens desta série (penso que apenas uma se repete) na Galeria Pente 10, em Lisboa e, tal como então aconteceu, não podemos deixar de ficar fascinados pelas magníficas imagens presentes, fruto de um domínio técnico e estético que marca a sua imagem desenhoscomluz-apaf.blogspot.com/2009/06/s-tome-mascaras-e-mitos.html. A escolha do formato adequa-se perfeitamente à serenidade dos momentos e a impressão é irreprensível (Síbila, Marquês Mantua e Ermelinda). Por seu lado, Pauliana Valente Pimentel, traz-nos para a realidade fotografada no Mali, um olhar irreverente, moderno, reflexo dos caminhos fotográficos que percorre junto do Colectivo KameraPhoto.

Uma palavra final para o valor documental das imagens presentes, para a boa impressão laboratorial geral e para a adequada legendagem. Em termos documentais, se é certo que estas imagens encerram informações que marcam um momento e um espaço, também é certo que são de uma beleza estraordinária, que faz delas obras artísticas de referência. Destaque também para o orgulho africano que todas as imagens conseguem mostrar, no que toca à História e à cultura deste continente. Esta exposição, que aconselhamos vivamente, numa dimensão mais reduzida, teve início em Nova Iorque, passou por Roma e Florença, e seguirá já nesta escala para alguns países do continente africano, nomeadamente a Argélia, a Nigéria, o Gana e o Senegal.

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